Acostumado a criar polêmicas e a dizer o que lhe dá na telha, o comediante Rafinha Bastos, do humorístico Custe o que custar (CQC), exibido pela TV Bandeirantes, voltou a dominar o noticiário recentemente. Ao comentar uma notícia sobre a cantora Wanessa, grávida de cinco meses, afirmou, no ar, que ;comeria ela e o bebê;. Foi suspenso da atração por tempo indeterminado e gerou uma avalanche de comentários. Diante da repercussão, continuou fazendo piada. Publicou em sua página no Twitter que a noite de exibição do programa era triste para ele, e posou ao lado de modelos de lingerie. Dias depois, divulgou um vídeo feito em uma churrascaria, em que faz graça com palavras de duplo sentido, como ;fraldinha; e ;baby beef;. O comportamento do humorista levanta a discussão dos limites do humor: até onde a ética permite que se vá por uma boa risada?
Redator de diversos humorísticos da TV Globo (Sai de baixo, Zorra total e A grande família) e comandante da trupe Comédia em pé, o humorista Cláudio Torres Gonzaga defende que o limiar do humor é o próprio humorista. ;É muito bonito dizer que ele não existe, mas uma hora chega esse limite, e ele vem de vários lugares. Pode vir da lei, por exemplo. É preciso suportar a retaliação. Você pode falar, mas tem que aguentar o que vai ouvir;, destaca Gonzaga, que lamenta apenas a possibilidade de o episódio se transformar em munição para cercear o time dos humoristas.
O humor, segundo ele, tem uma função histórica de apontar o dedo para as contradições da sociedade, fazendo uma análise fria do contexto, o que pode gerar desagrado. ;Mas o objetivo primeiro é divertir. Se a piada corre o risco de fazer o contrário disso, que é entristecer, levar a pessoa ao lugar do qual ela quer fugir, não serve. Divertir 299 e causar depressão em uma pessoa é um custo muito alto;, avalia.
Conhecido como menestrel do Brasil, o comediante Juca Chaves, que se apresentou na cidade neste fim de semana, acredita que Rafinha Bastos tenha cometido um ato falho. ;Ele pode ter perdido a noção. Humor é a ginástica da inteligência, e às vezes a gente falha. Eu já falhei muitas vezes e não acredito que uma pessoa com tantos seguidores diria isso de propósito;, pondera. Na hora de fazer graça, quase tudo entra no repertório desse veterano. ;Menos agressão. É maldade usar sua capacidade de criação para machucar pessoas. Também não gosto de usar palavrão. Só se for da forma mais sutil;, avisa ele.
Quando liga a televisão ou vê espetáculos cômicos, Juca Chaves vem se decepcionando com a safra de opções. ;Gosto dos programas antigos. Existe hoje um humor pretensioso, que não leva a nada. O humor já era fraco no Brasil e piorou muito com a televisão. Imagine quantas pessoas votaram no Tiririca porque acham ele gozado;, destaca.
A postura ofensiva não faz parte da gênese do grupo G7, que há uma década despontou nos palcos da cidade. Focando sempre no objetivo de divertir e causar reflexão, os atores investem naquele humor em que alguém (geralmente eles mesmos) sempre se dão mal. Os coitados que servem de inspiração são, por exemplo, Charles Chaplin e Mr. Bean. ;Não achamos que seja preciso sacanear alguém para fazer rir. Hoje, muita gente fala só por falar, existe uma verborragia, fala-se sobre tudo, critica-se tudo e acham isso engraçado;, protesta Frederico Braga, um dos integrantes do quarteto.
Internet
Essa incontinência verbal, explica ele, é fruto da aceleração da informação. Com internet, redes sociais e páginas de compartilhamentos de vídeos, é preciso se manter na crista da onda, antes que outro humorista se transforme na ;bola da vez; e ocupe o seu lugar.
A imagem é uma das preocupações de Jovane Nunes, integrante da Cia. de Comédia Os Melhores do mundo. ;Ela é o nosso patrimônio. As pessoas param pra te ouvir e, se a gente fizer besteira, perde esse carisma;, acredita. Nunes compara a carreira no humor com a de médico. ;Existe um tratado da medicina que diz que o riso cura doenças, por liberar determinadas substâncias no organismo;, atesta. Por isso, como em qualquer outra profissão, é preciso arcar com a responsabilidade dos atos. ;É cômodo fazer piada, ganhar dinheiro, e no dia que a piada não dá certo, dizer que as pessoas estão caretas ou não há liberdade de expressão. Errar, todo mundo erra, mas por que não pedir desculpas?;, questiona.
;Com humor, a gente consegue falar de coisas sérias com mais leveza. O bobo da corte, por exemplo, era o único que conseguia se comunicar com o rei sem ofendê-lo;, destaca Similião Aurélio, ator brasiliense com forte veia cômica. Mas é preciso, no entanto, manter a elegância na crítica, aponta ele. ;Politicamente correto é um saco, temos que transgredir isso, mas sem desrespeitar o ser humano;, defende.
Reincidência
Essa não é a primeira vez que Rafinha Bastos choca a opinião pública com suas tiradas. Em maio, ele declarou, na bancada do humorístico CQC, que as mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas. A declaração motivou ação do Ministério Público Federal. Em seu DVD, batizado de A arte do insulto, o comediante fez piada com os rondonienses. ;Eu acho todo mundo bonito. Isso é efeito colateral de uma temporada de shows que fiz em Rondônia;, brincou. Um show que ele faria no estado foi desmarcado e o governo ameaçou processá-lo.