Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Documentarista afirma que o cinema independente ainda está sufocado

Apesar do aumento de público, é preciso atenção nas formas criativas de produção e exibição de filmes

A documentarista mineira Marília Rocha participou do 42; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro concorrendo na antiga mostra competitiva em 35mm com o título A falta que me faz. Apesar das qualidades incríveis da narrativa sobre meninas que vivem num povoado no interior de Minas Gerais, o filme saiu da competição sem levar nenhum Candango. No ano seguinte, quase numa vingança silenciosa, o colega de Marília na produtora Teia, Sérgio Borges, levou as estatuetas de melhor filme, melhor fotografia, melhor montagem, melhor diretor e prêmio especial do júri para Céu sobre os ombros. Os filmes são muito diferentes entre si, apesar de Marília e Sérgio produzirem embaixo do mesmo guarda-chuva. A produtora montada por eles há mais de uma década é um dos exemplos de cinema organizado em grupos florescidos no Brasil nos últimos anos. A nova geração de produtores trabalha junta e, como não poderia deixar de ser no cinema brasileiro, sofre junta para captar recursos de produção e principalmente de lançamento. No entanto, eles têm procurado fissuras num circuito exibidor que raramente dá chance para filmes de pouco orçamento. Quando os espaços não são disponibilizados, demonstram criatividade também na hora de encontrar alternativa.

Qual a contribuição da produtora Teia para o documentário brasileiro contemporâneo? Em que vocês inovaram nestes 11 anos?
Se é possível falar em contribuição, acho que a Teia tem a oferecer tanto os filmes quanto uma forma possível de produção. A proposta inicial da Teia foi unir um grupo de amigos para compartilhar um espaço e viabilizar seus filmes de forma independente. Há nessa estrutura um posicionamento diante do mercado cinematográfico. Nós criamos uma forma particular de funcionar como um grupo. Dentro dessa estrutura, realizamos cerca de 40 filmes e continuamos mantendo liberdade tanto nas escolhas estéticas quanto na forma cotidiana de trabalhar.

Vocês já são referência para outros estados?

Acho que há uma influência mútua. Atualmente, nós vivemos um cenário muito particular da produção brasileira. Pela primeira vez desde que comecei a fazer filmes, tenho uma interlocução com pessoas de outras regiões do país, fora do meu círculo mais próximo. Quando comecei, o diálogo era muito mais com filmes e pessoas que produziram no passado. Era uma conversa com os ;clássicos; do cinema brasileiro. Agora, fico aguardando filmes de realizadores que acompanho e que, depois de muito tempo, fazem a produção nacional voltar a respirar.

Assim como a Teia, várias outras produtoras (como a Alumbramento, no Ceará, e a Trincheira Filmes, em Pernambuco) têm se formado no Brasil. É a volta do cinema feito em grupo que se define na primeira década do século?
Acho que é a volta de uma riqueza e variedade maior de propostas. Os filmes da Teia não são feitos em grupo. Nós não trabalhamos coletivamente. Às vezes codirigimos trabalhos e frequentemente trocamos funções nos projetos de cada um. Alguém que produz um filme, fotografa ou monta um outro, e assim por diante. Na Alumbramento, ao contrário, vários filmes foram produzidos coletivamente. Não acho que seja isso que defina o cinema brasileiro contemporâneo. Mas os críticos podem definir isso melhor do que eu (risos).

O documentário brasileiro está verborrágico?
Pode ser o caso de um filme ou autor. Mas há belos documentários que não se apoiam absolutamente nas palavras.

Existe uma ideia geral de que o circuito comercial alimenta o cinema de autor como o feito por esses grupos do Brasil. Você sente essa relação?
Eu realmente não sinto. Apesar de o cinema nacional estar vivendo um aumento no público e no número de filmes exibidos em salas comerciais, sentimos que apenas os filmes realizados dentro de um padrão industrial conseguem espaço na programação. Levar público para uma sala de shopping requer um gasto grande com publicidade e promoção. Existem iniciativas novas, como a Sessão Vitrine, promovida pela Vitrine Filmes, que, ao reunir longas e curtas em um mesmo pacote, consegue atrair a atenção do público e o espaço no cinema. Mas não é a regra. Normalmente, a distribuição de um filme ;de autor; continua bastante difícil. E o que é pior, várias salas que abrigavam o cinema independente estão fechando (no caso de Belo Horizonte, já foram algumas), e não há lugar para ele nos espaços restantes.

Uma das estratégias que você está testando com os seus filmes é o lançamento em circuitos de cineclubes. Deu certo?
Está dando muito certo. Os filmes Acácio e A falta que me faz foram lançados simultaneamente com mil cópias em uma rede nacional de cineclubes. Eles estão sediados em periferias das capitais e no interior dos estados, fazendo chegar cinema a centenas de cidades que não possuem acesso a salas de exibição comercial. Esse parque exibidor alternativo criado pelos cineclubistas possibilita que os filmes circulem para além dos festivais de cinema e do circuito comercial. É uma iniciativa inovadora e está fazendo com que os filmes alcancem o público brasileiro, desde os grandes centros urbanos até o interior do país. O público dessas sessões é registrado, mas, infelizmente, não é contabilizado pelos órgãos oficiais.

A redescoberta do circuito de cineclubes por novos realizadores deixa mais claro o fechamento do gargalo do circuito de
exibição para filmes menores?
Sim. É muito duro concorrer com grandes distribuidoras e seus orçamentos suntuosos de divulgação e
marketing. Diante disso, só nos resta inventar ou retomar outras estratégias. No caso dos cineclubes, é certamente um canal antigo e importante para o cinema nacional. Mas o aumento significativo de pontos de exibição e sua organização nacional em rede geram uma transformação que não pode ser ignorada nem pelos produtores nem pelos órgãos governamentais e reguladores do cinema.

A consequência imediata da queda da obrigatoriedade do ineditismo do Festival de Brasília e a inclusão do digital gerou um aumento assustador no número de inscrições sem modificação no formato curatorial ou no número de dias de exibição. Muitos temem que o festival sofra um declínio no status nacional por abandonar o frescor da seleção de filmes. Na sua opinião, qual é o melhor formato?
O mais importante é sempre a qualidade e a consistência da programação. Ampliar os formatos e eliminar o ineditismo, inevitavelmente, aumentam o número de filmes inscritos. Isso certamente gera mais trabalho para os curadores, mas não necessariamente diminui o interesse do festival, ao contrário, cria mais possibilidades de programação. A inclusão de filmes digitais no programa é uma tendência internacional em festivais no mundo todo, como por exemplo, Cannes e Veneza, que já trabalham assim. A forma de produzir, a diminuição dos orçamentos de filmes europeus e latino-americanos e as transformações tecnológicas trazem mudanças na exibição e os festivais devem acompanhar esse processo. Mas é preciso que os curadores e produtores dos festivais estejam preparados para isso.