Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Documentário de Vladimir Carvalho comove e entusiasma a plateia

Dois dias depois de se apresentar para uma multidão de 100 mil pessoas no Rock in Rio, Fê Lemos parecia ter se despido da condição de astro de rock. No foyer do Teatro Nacional, o baterista do Capital Inicial não precisou se preocupar com o assédio de fãs enquanto esperava o início da sessão de Rock Brasília ; Era de ouro, o filme de abertura do 44; Festival de Brasília. ;No show do Rio, a sensação era de nervosismo mesmo;, explicou. ;Aqui é diferente. A emoção é outra. O momento é de rever os amigos e os parentes, lembrar o que aconteceu na nossa juventude;, comparou. Diante de um público de cerca de 1,5 mil espectadores, sala lotada, Fê assumiu um papel diferente daquele a que está acostumado: virou personagem de cinema brasileiro.

A confusão entre o ;elenco; do documentário de Vladimir Carvalho e a plateia do teatro se tornou inevitável. Numa noite restrita a convidados, os ilustres e os anônimos da ;época dourada; do rock candango se emocionaram com um documentário sobre a trajetória das três bandas brasilienses mais populares dos anos 1980, que se destacaram no cenário nacional: Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Além de Fê, o irmão Flávio (também do Capital), e os também protagonistas Philippe Seabra e André X (ambos da Plebe) assistiram à projeção do longa-metragem, recebido com aplausos demorados ; em dois momentos, foi ovacionado em cena aberta.

Vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival de Paulínia de 2011, o filme de Vladimir Carvalho chegou à cidade poupado das pressões de uma estreia típica. Ainda assim, o clima era de apreensão até entre os que já haviam passado pela experiência de assistir ao filme numa sala escura e lotada. ;Perto do teatro, no carro, já comecei a tremer um pouquinho. É mais tenso porque é Brasília;, admitiu Carmem Manfredini, irmã de Renato, que viu o filme há três meses, na mostra paulista. ;O público daqui é sempre muito exigente. E as pessoas que vieram assistir ao filme viveram um pouco dessa história;, observou, quando já se formava uma longa fila de convidados na entrada da Sala Villa-Lobos.

;Tenho o privilégio de apresentar um filme que já foi premiado em Paulínia. Ele foi feito com afetividade, solidariedade. Estou convicto de que vai ser bem recebido em Brasília, porque essa história começou na sala de jantar de cada um desses roqueiros;, comentou Vladimir, de Conterrâneos velhos de guerra (1991) e O país de São Saruê (1971). O produtor Marcus Logocki também confiava na boa receptividade da plateia. ;É algo muito especial exibir este filme na semana em que o Capital Inicial fez um show histórico no Rock in Rio, e pouco antes de uma grande homenagem à Legião Urbana também no Rock in Rio. E, recentemente, a Plebe Rude foi indicada ao Grammy Latino;, apontou, para ressaltar a vitalidade dos veteranos.

Antes da sessão, no entanto, o pulso seguro de Vladimir foi amolecido pela emoção. ;Sinto meu coração aos pulos, embora não pareça. Sinto o mesmo frio na barriga que a nossa distinta Dilma Rousseff sentiu quando abriu a conferência da ONU;, afirmou, feliz com a chance de contar a história de uma ;rapaziada fabulosa, exemplo de crença em um ideal juvenil;. ;Essa geração só pode ser motivo de orgulho para Brasília. A cidade foi difamada, maltratada, sofreu as agruras dos poderosos;, comentou, sob aplausos. ;No fundo, fiz (esse filme) para poder dizer, em alto e bom som: eu te amo, Brasília;, exclamou. Rock Brasília ; Era de ouro está previsto para chegar às salas de cinema em 21 de outubro.

Reações adversas
Suscetíveis ao crivo do crítico público local, tradicionalmente participativo nos festivais de Brasília, os contornos políticos de discursos e observações no palco geraram reação. Um sinal de reprovação da plateia apareceu quando Vladimir Carvalho elogiou a ;amiga dileta;, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que estava presente: ela foi vaiada duas vezes. ;Registrar a presença da ministra é motivo de regojizo. Ela é uma amiga que acompanhei à Angola, no início da carreira artística;, lembrou, sem a adesão dos convidados.

Mestre de cerimônias, o ator (filiado ao PT) José de Abreu imprimiu tom quase de palanque, em alguns momentos do evento, iniciado sob alguma pressão do público, com 50 minutos de atraso. O secretário de Cultura do DF, Hamilton Pereira, sob palmas moderadas, ouviu alguns méritos, ao microfone, como a marca de 624 produções inscritas para a competição e a projeção de 150 produções nacionais, ao longo dos oito dias de festejos de cinema.

Exaltando a sanção da Lei n; 12.485 (;um novo marco legal que dinamiza o setor;), José de Abreu puxou as palmas para a medida que dá maior atuação às produtoras brasileiras independentes e estabelece cotas, ;em espaço qualificado;, de produtos nacionais a serem respeitados pelos canais de tevê a cabo. ;Uma ação que amplia o mercado visual brasileiro só merece palmas;, bradou. Incógnito, o governador Agnelo Queiroz também participou da cerimônia. ;O que temos percebido é uma confusão entre o histórico do festival mais politizado do país com vitrine partidária. Estamos tentando vivenciar esta edição do festival para saber como nos posicionar;, acredita o presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV), João Paulo Procópio.

Se comparadas as sessões de abertura das edições recentes do festival, a reação do público foi a mais calorosa desde 2006, quando foi exibido o documentário Oscar Niemeyer ; A vida é um sopro. Na tela, além de exibir cenas raras da música de Brasília (como o show trágico da Legião Urbana no Mané Garrincha, em 1988), Vladimir reúne pais e filhos da geração de Renato. Briquet de Lemos, pai de Fê e Flávio, toma a palavra em alguns dos momentos mais emocionantes do longa. Dona Carminha, a mãe de Renato, também aparece em cena, tal como Sílvia Seabra, mãe de Philippe. Rock Brasília ; Era de ouro será reprisado domingo, às 17h30, no Cine Brasília. O longa integra a mostra paralela Panorama Brasil e concorre ao troféu Câmara Legislativa.

Curtas de hoje

OVOS DE DINOSSAURO NA SALA DE ESTAR
De Rafael Urban, 12min, Paraná
Documentário sobre Ragnhild Borgomanero (foto). Aos 77 anos, ela procurou estudar fotografia digital para manter viva a memória do marido, Guido, com quem reuniu, ao longo da vida, a maior coleção particular de fósseis da América Latina.

PRA CASA DA VÓ NEYDE
De Caio Cavechini, 20min, São Paulo
Cavechini é jornalista do programa Profissão repórter. Assim como o programa da TV Globo toca em temas espinhosos, este documentário trata do vício em crack acompanhando o drama de uma família em que a internação de um dependente químico acontece de forma dolorosa.

Animações

MOBY DICK (foto)
De Alessandro Corrêa, 8min, São Paulo Só Deus sabe o que pode acontecer em um encontro entre um pescador e uma baleia enorme em mar aberto. A narrativa minimalista do paulista Alessandro Corrêa imagina o encontro de forma surrealista em universos inimagináveis. Toca em temas amorosos e trata a solidão com delicadeza nesta narrativa muda.

2004
De Edgard Paiva, 5min48, Minas Gerais Sentado no ponto de ônibus todos os dias, no mesmo horário, um jovem ouve música pelo aparelho mp3 player enquanto faz desenhos dos transeuntes. Nada parece mudar na vida do desenhista até que um dia ele se apaixona pelo reflexo de uma bela mulher sentada ao seu lado. O desafio é tentar registrar a imagem desta bela mulher.

EU FUI ...

;Foi bem sensível e, apesar de ser um documentário, não foi muito sério. Ficou bem solto, espontâneo e emocionante. Interessante montar a história pelas próprias memórias dos participantes;
Mateus Oliveira, editor de vídeo

;Não gostei do filme porque ele falou de uma cena muito particular, que não estava acontecendo. Ele só falou de três bandas e chamou de Rock Brasília. Não ri, não chorei. Passou;
Rafael Oops, músico, DJ e ator

;Muito divertido, bem-humorado. Os personagens se sentiram muito à vontade. Vivi vários episódios, inclusive o último show da Legião na cidade. Eu estava lá!”
Mona Lisa Souza, advogada