A disputa entre longas e curtas-metragens começa a definir, a partir de amanhã, o perfil de uma edição especialmente imprevisível do Festival de Brasília. Até agora, não se sabe qual será o efeito produzido pelas alterações na estrutura do evento ; que, entre outras mudanças, passa a desconsiderar a exigência de ineditismo na seleção de filmes. Mas é bem à margem das competições principais ; e longe dos olhos do público ; que a mostra enfrenta uma outra contenda, mais subjetiva e demorada. No mapa dos festivais nacionais, Brasília briga ano a ano para preservar o prestígio que conquistou em 44 anos de existência.
Apesar dos declives que o festival candango enfrentou nas edições mais recentes ; principalmente entre 2007 e 2009, quando a qualidade dos filmes provocou críticas pesadas ;, Brasília permanece entre as principais mostras do país. É a mais antiga, e aquela que defende por mais tempo um conceito firme: o de valorizar produções que instigam reflexões sobre a linguagem do cinema e a sociedade brasileira. O calendário de encontros cinematográficos, no entanto, inflou nos últimos 15 anos. O guia Kinofórum lista 141 festivais e mostras brasileiros: sete deles formam uma linha de frente que seduz cineastas, produtores e a imprensa nacional.
É nessa vitrine que estreiam os filmes mais aguardados do ano. O Festival de Brasília, que tradicionalmente ocorria no fim do ano, acabava perdendo muitas dessas novidades para os ;vizinhos;. Em 2011, a Secretaria de Cultura antecipou a data do evento e passou a aceitar a escolha de filmes que já teriam sido exibidos em outros festivais. As mudanças podem ser interpretadas como uma resposta ao ;engarrafamento; de mostras, e não é uma preocupação exclusiva de Brasília. ;São grandes as dificuldades para manter uma programação totalmente inédita. Mas fazemos questão disso, até como um diferencial;, afirma Alfredo Bertini, que organiza o Cine PE ; Festival do Audiovisual.
No caso de Alfredo, uma barreira extra se impõe: o evento não oferece prêmios em dinheiro, como também acontece no Festival do Rio, em Gramado e Tiradentes. No contar dos Candangos, R$ 425 mil são distribuídos aos vencedores. ;A concorrência é grande, e ainda temos que lidar com a postura lamentável dos produtores que querem estrear os filmes em festivais internacionais, como Cannes e Veneza. Se o filme foi produzido com recursos públicos, acredito que ele deveria chegar primeiro ao Brasil;, polemiza. Para garantir os lançamentos mais desejados, os festivais usam todo tipo de arma: no caso de Pernambuco, é a plateia robusta (de 1,5 mil pessoas) que enche os olhos dos cineastas.
Zelar pelo ineditismo também é uma preocupação em Paulínia, o festival ;emergente;, que, com apenas quatro anos de trajetória, se transformou em paraíso da classe cinematográfica. Ao aliar as atividades de polo de produção a uma distribuição generosa de prêmios (em 2011, foram R$ 605 mil, a maior soma brasileira para festivais), marca posição ao reunir lançamentos importantes, que passaram por mostras internacionais e chamam a atenção da imprensa. Este ano, exibiu Trabalhar cansa (que estreou em Cannes e agora vem a Brasília) e os novos de Cláudio Assis (A febre do rato) e Selton Mello (O palhaço).
;Não existe fórmula para fazer um bom festival. Mas tratamos o ineditismo como um fator importante até para a plateia. A sessão de um filme inédito é mais valorizada. E quem diz isso não sou só eu, mas também jornalistas e críticos;, afirma Emerson Alvez, secretário de Cultura de Paulínia. Os acordos de produção entre o polo e as equipes dos filmes preveem que os longas tenham estreia na cidade paulista. De preferência, na programação do festival. O orçamento da mostra é de R$ 5 milhões, R$ 1 milhão a mais que o de Brasília. ;Mas a dificuldade é cada vez maior, porque a gente compete com festivais do mundo todo. Os cineastas precisam valorizar os festivais nacionais;, observa.
Saída à América
Desapegado da premissa de exclusividade entre os concorrentes nacionais (haja vista as premiações deste ano para Uma longa viagem e Riscado, ambos consagrados pelo júri de Gramado, ainda que bem conhecidos no circuito de festivais), o Festival de Gramado traz diferenciais, na opinião do crítico de cinema José Carlos Avellar. Ao lado do cineasta Sérgio Sanz, há seis anos, Avellar ajuda a reconfigurar a festa de cinema, numa guinada de ares que leva a chancela dos dois curadores. ;Até pela própria posição geográfica, levamos em conta pelo menos o panorama do cinema feito no Mercosul;, observa.
No ciclo de seleção ; que, em 2011, teve 500 filmes ;, o leque de fitas estrangeiras seguiu a habitual cartilha da excelência, que, por sinal, se sobrepôs à vergonhosa qualidade de projeção (em DVD), que tirou muito do brilho de obras premiadas, como Medianeras ; Buenos Aires na era do amor virtual (Gustavo Taretto) e A tiro de piedra (do mexicano Sebastián Hiriart). O Cine Ceará também seguiu a proposta de abarcar filmes de outros países da América do Sul. Os perfis do Festival do Rio e da mostra de Tiradentes são outros: o primeiro destaca o contato entre produções brasileiras e distribuidores internacionais, enquanto o segundo destaca longas de diretores iniciantes. Mas é uma paisagem instável: e o desafio de Brasília em 2011 é, acima de tudo, firmar um território neste mapa.
>> Colaborou Felipe Moraes