Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cantor e compositor Milton Nascimento faz show histórico no Açougue T-Bone

Quando veio a Brasília pela primeira vez nos anos 1970, Milton Nascimento andou pela capital, conheceu os pontos turísticos e quis entender como as coisas funcionavam. Embora tenha estranhado o que viu, identificou-se com a ;cidade moderna;, mas não sabia por quê. ;Logo depois, ao voltar a Diamantina (MG), caminhando pelas ruas e revendo os antigos casarões e visitando o mercado, obtive a resposta para aquilo que ficou na minha cabeça. Brasília e Diamantina são filhas do mesmo anjo;, lembra o cantor, emocionado, referindo-se ao presidente Juscelino Kubitschek.

Ausente dos palcos brasilienses há alguns anos, Milton está de volta hoje, para às 20h fazer aguardadíssima apresentação na 30; Noite Cultural T-Bone, na 312 Norte. Ele tem a companhia da banda formada por Kiko Continentino (teclado), Wilson Lopes (guitarra), Gastão Villeroy (baixo),e Lincoln Scheib (bateria), e um convidado especial, Breno Cabral, um dos jovens cantores de Três Pontas que participou do álbum ;E a gente sonhando. Antes, sobem ao palco as cantoras Célia Rabello e Sandra Duailibe. O mímico Miquéias Paz é o mestre de cerimônia.

Para o produtor e açougueiro Luis Amorim, a presença de Milton Nascimento confere importância ainda maior ao projeto, iniciado em 1997. ;Já trouxemos artistas como Alceu Valença, Erasmo Carlos, Zé Ramalho, Moraes Moreira, Elba Ramalho e Zélia Duncan, mas contarmos com o Milton é a consagração da Noite Cultural;, comemora antecipadamente.

Embora esteja na estrada com a turnê do ;E a gente sonhando, o que o cantor traz para o brasiliense é um show com característica de retrospectiva da carreira. Assim, os fãs poderão curtir a interpretação do Bituca ; como é chamado pelos amigos ; para clássicos de sua obra, entre os quais, Travessia, Maria Maria, Canção da América, Nos bailes da vida e Coração de estudante. O roteiro conta, ainda, com músicas do novo trabalho, como Me faz bem, O sol e Resposta ao tempo, além da faixa título.

Ponto de partida
Milton vê os sonhos como pontos de partidas. ;É a terra de ninguém, o avesso das fronteiras, do plausível, o absurdo.; Para ele, ;o absurdo é não sonhar;. Aliás, é isso que esse artista popular vem fazendo desde que o Brasil tomou conhecimento dele, em 1967, ao classificar-se em terceiro lugar no Festival Internacional da Canção, com Travessia.

E continuaria sendo um sonhador ao liderar o Clube da Esquina, movimento que trouxe novas luzes à música brasileira, no começo da década de 1970, e revelou jovens músicos mineiros como Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini e Tavinho Moura, entre outros. ;Desde que comecei a mexer com música, compondo, cantando, fazendo show, sempre estendi a mão para pessoas mais novas que tinham valor e vontade de aparecer;, disse Milton ao Correio.

Sobre o Clube da Esquina, que em 2011 comemora 40 anos, o cantor fala sem demonstrar nostalgia. ;Foi o encontro entre amigos que ainda não tinham a música como profissão. Quando resolvi fazer o disco ; homônimo ;a primeira pessoa em que pensei foi o Lô Borges, que tinha muito a ver comigo, com minha música, com minha vida. Isso se mantém até hoje. Quando nos encontramos é sempre uma alegria. A voz dele chega ao meu coração como se tivesse uma enxurrada de notas musicais;, revela de forma carinhosa.

De Lô Borges a Breno Cabral, são muitos os jovens e talentosos artistas revelados por Milton. ;Em ;E a gente sonhando, o que me deixou mais feliz foi ter descoberto aquela rapaziada toda na minha cidade. Considero Três Pontas um jardim de música. Você vai lá e conhece uma porção de músicos. Volta lá, meses depois, e já surgiram outros. Gente de talento que compõe, canta, toca, o que me traz muita felicidade;, conta entusiasmado.

30; Noite Cultural T-Bone
Show de Milton Nascimento e banda, com abertura de Célia Rabelo e Sandra Duailbe, hoje, às 19h, na 312 Norte. Acesso gratuito. Classificação indicativa livre.

Caminhos, atalhos e travessias
Na plateia do show de Milton Nascimento nesta noite estará Maria Dolores, jornalista mineira autora de Travessia, livro-reportagem que conta a trajetória do cantor e compositor, nascido no Rio de Janeiro e criado ; por pais adotivos ; em Três Pontas, no interior de Minas Gerais. ;A ideia surgiu em 2002, desenvolvida como trabalho de conclusão do curso de comunicação social, na UFMG;, revela a autora.

Ela lembra que a possibilidade de escrever o Travessia surgiu em junho de 2002, no dia em que o Brasil conquistou o pentacampeonato, no Japão, vencendo a Alemanha por 2x0. Milton era amigo da minha família, em Três Pontas, e resolveu assistir ao jogo em nossa casa, aonde não ia havia algum tempo. Sentei-me ao lado dele e falei do meu projeto, e obtive a aprovação do Bituca;, recorda-se.

A partir dali, Maria Dolores passou a seguir o cantor em shows e a frequentar a casa dele, no Rio de Janeiro, onde gravou a maioria das entrevistas. ;O livro foi concluído em 2006 e ele só leu depois de pronto, não tendo feito nenhum tipo de restrição. Lançado no mesmo ano pela Editora Record, Travessia ; que teve noite de autógrafos no T-Bone, em 2009 ; está na terceira edição e custa R$ 54,90.

Momentos importantes da vida e da trajetória artística de Milton estão em Travessia. Os relatos vão desde a adoção até o show que ele fez em 2005, ao voltar a se apresentar em Três Pontas depois de vários anos. A autora detém-se no episódio da criação de Travessia, parceria do compositor com Fernando Brant; e dá destaque ao surgimento do Clube da Esquina, dos espetáculos para grandes plateias nos anos 1980; e da doença ; diabetes ; que o vitimou e da recuperação, na década de 1990.