À primeira vista, Hollywood é o inverso de Wall Street. Enquanto os acionistas arrancam os
cabelos de estresse diante de um mercado instável, os produtores de Los Angeles embolsam um
punhado de dólares nas bilheterias, principalmente dos filmes em três dimensões. Na lista das 10
maiores arrecadações de todos os tempos, três filmes de 2011 (em 3D) chegaram ao topo: Piratas
do Caribe: Navegando em águas misteriosas (em 8;, com US$ 1,038 bilhão), Transformers: O lado
oculto da lua (5;, US$ 1,106 bilhão) e Harry Potter e as relíquias da morte ; Parte 2 (3;, US$
1,294 bilhão). Outro detalhe: duas posições são ocupadas por blockbusters tridimensionais do ano
passado, Toy Story 3 e Alice no País das Maravilhas. Uma avaliação mais cuidadosa revela um lado
curioso do sucesso.
Nos Estados Unidos, o preço do ingresso aumentou pelo décimo sétimo ano consecutivo e o box
office (bilheteria) daquele país recuou 5,55% (de US$ 6,80 bi para US$ 6,42 bi), no período de
janeiro a julho, segundo o Hollywood.com. A arrecadação agora é maior em mercados emergentes.
;Os EUA são o mercado mais saturado do mundo. Eles têm salas de cinema até em postos de
gasolina. No Brasil, uma parcela significativa da população começa a ir ao cinema só agora com a
expansão da classe média nos últimos anos;, afirma o presidente da rede Cinépolis do Brasil,
Eduardo Acuña. ;Nos EUA, a média da sala de projeção é de uma para cada 7 mil habitantes. No
Brasil, a média é uma sala para 80 mil;, comparou o executivo da distribuidora que atua em toda
a América Latina.
Sem dúvida, o 3D é uma tecnologia que veio para ficar e a oferta de filmes vem crescendo
rapidamente, o que faz com que nós, exibidores, tenhamos que investir constantemente no aumento
do volume de salas que possuem essa tecnologia. A demanda é muito grande. Não são só filmes
novos que vêm usando essa tecnologia, há também clássicos do cinema que têm uma nova versão em
formato 3D;, comenta a gerente de marketing da Kinoplex/Severiano Ribeiro, Patrícia Cotta sobre
os relançamentos da animação tradicional de maior sucesso dos estúdios Disney, Rei leão (1994),
este ano, e Titanic (1997), de James Cameron, no ano que vem. Do ponto de vista artístico, o uso
do 3D ainda divide alguns diretores (veja quadro). Para os que têm recolhido cifras
astronômicas, o efeito é um aliado da narrativa. Já para outros, ele é desnecessário. Enquanto
produtores se dividem, aparentemente, o público já fez uma opção.
Indústria
O diretor de Transformers, Michael Bay, segue com orgulho o flanco aberto por James Cameron,
criador de blockbusters como Avatar e Titanic. O primeiro, lançado em 3D, ainda é a maior
bilheteria do cinema mundial de todos os tempos. Em bate-papo promovido pelo The Hollywood
Reporter, Bay e Cameron discutiram as possibilidades criativas permitidas pela filmagem em três
dimensões. ;É um brinquedo divertido que ajuda a alcançar a emoção e criar um outro tipo de
experiência;, disse Bay.
Em conversa recente com a Reuters, Cameron falou que os diretores precisam ;se esforçar mais;.
;Nós não podemos pegar atalhos. Não sou fã da conversão para 3D porque ela produz algo que eu
chamo de 2 e meio D. Não tem a profundidade de um 3D real, que foi fotografado assim. A
conversão após as filmagens tende a ser cruel com os olhos e não fornecer uma boa experiência de
profundidade de campo;, contou. Sobre o crescimento da audiência internacional e a diminuição da
doméstica (americana), ele foi enfático. ;O público internacional está menos cansado do 3D;,
opinou.
Boa história
Mês passado, em San Diego (EUA), na Comic-Con, Steven Spielberg e Peter Jackson atacaram a alta
dos ingressos, motivada pelo 3D, e se mostraram desconfiados com a quantidade de filmes rodados
(ou convertidos) em três dimensões. ;Pode, com certeza, fazer de um bom filme um grande filme.
Mas o brilho da projeção precisa ser ajustado;, disse Jackson, sobre uma das maiores reclamações
dos espectadores: a projeção escura. Para ele, não vale a pena pagar, por exemplo, US$ 5 a mais
para ver um filme ruim de três dimensões que poderia ser assistido na versão tradicional, sem o
par de óculos.
Spielberg, um mestre de filmes de ficção científica emotivos, como E.T. ; O extraterreste e A.I.
; Inteligência artificial, declarou que nem sempre uma boa história precisa ser adaptada para a
tecnologia. ;Eu, realmente, espero que o 3D chegue a um ponto em que as pessoas não o notem
mais. Porque, assim que elas pararem de percebê-lo, ele vai se tornar apenas mais uma ferramenta
que ajuda a contar uma boa história;, explicou.
Arte
A discussão sobre a contribuição do 3D para o avanço da linguagem cinematográfica ganhou efeito
catalisador com a passagem do veterano Francis Ford Coppola pela Comic-Con. A trama fantástica
do próximo filme do cineasta veterano, Twixt, é sobre os encontros entre um escritor
especializado em bruxaria (Val Kilmer) e o falecido escritor Edgar Allan Poe. Não satisfeito em
somente brincar com o sobrenatural, o cineasta concebeu esse objeto cinematográfico para ser
consumido como uma peça operística. Na premi;re do filme, a plateia recebeu um libreto na
entrada do auditório. Pelo menos na feira, o público foi obrigado a usar uma máscara com o rosto
de Poe para enxergar os efeitos em três dimensões. Coppola reordenou sequências seguindo a
reação dos presentes. Aos 72 anos, o diretor agiu como o rei da festa.
A aparição de Coppola fez barulho, mas não se sabe se a novidade receberá a adesão de plateias
menos proativas. ;Por que o cinema deve ser sempre servido como um enlatado? Esse tipo de
entretenimento pode ser bem indigesto. Falta um pouco mais de interação da vida real dentro do
cinema. Existe uma ânsia das plateias para que isso seja transformado;, clamou por aprovação. O
espetáculo que o diretor de Apocalypse now está propondo é apenas uma válvula de escape para um
criador entediado ou uma nova etapa para o cinema?
Outros diretores ;sérios; também resolveram se render aos polêmicos óculos escuros. Martin
Scorsese deve lançar seu primeiro infantil, Hugo, no fim de novembro. O alemão Werner Herzog
divulgou o documentário A caverna dos sonhos esquecidos em junho, no 15; Festival Internacional
de Documentários de Santiago, no Chile. No Festival de Cannes deste ano, Bernardo Bertolucci
disse que vai rodar o romance Eu e você, adaptado do escritor italiano Niccolo Ammaniti, com
essa tecnologia. E afirmou: ;Se Oito e meio (de Federico Fellini) estivesse em 3D, isso não
seria bom?