Ao participar de um festival no sul da Alemanha, em 2005, Yamandu Costa foi ouvido pelo produtor Peter Finger, que estava na plateia e ficou impressionado com as qualidades do instrumentista brasileiro. ;Tudo naquele jovem violonista parecia estar em perfeita sintonia: técnica, musicalidade, ritmo, humor e uma exuberante alegria ao tocar;, elogia Finger.
Entusiasmado, ele quis ver Yamandu em ação por mais tempo. Então o convidou para gravar um CD no estúdio montado em sua casa, na cidade de Osnabrueck. Por já ter assumido outros compromissos, o músico gaúcho demorou para aceitar o convite. Isso ocorreu em 2007, quando voltou à Alemanha. ;Finger tinha em casa um complexo de gravadora, anfiteatro e loja de música, onde realizava concertos e gravava CDs;, revela o violonista. ;Tudo era voltado para a sonoridade e a acústica do violão, desde a arquitetura da casa até os mínimos detalhes do estúdio;, acrescenta.
Resultado: gravou Mafuá, o que viria a ser seu primeiro álbum solo, e superou as expectativas de Finger, não apenas por captar cada nuance da admirável execução, como também por revelar um ótimo compositor por trás do violão. Lançado inicialmente na Europa, o disco saiu recentemente no Brasil, distribuído pela gravadora Biscoito Fino.
Hoje, às 20h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional, o brasiliense poderá ouvir o violonista tocar as músicas desse trabalho, em show com entrada franca. ;Das 13 faixas gravadas, 10 são composições minhas. Algumas estavam guardadas e outras foram feitas próximo à gravação. Abro o repertório com El negro del blanco, que fiz com Paulo Moura e deu título ao álbum que gravamos juntos;, conta.
Repertório
De autoria de Yamandu são, também, Elodie, Samba pro Rafa, Bachbaridade, Bostemporânea, Caminho de luz, Zamba zuerta e Tipo bicho. ;Elodie fiz para minha mulher (Elodie Boundy), que também é musicista e foi coprodutora do Mafuá. O tema que dá nome ao CD é de autoria de Armandinho Neves; e Zezé Gomes assina Quem é você; enquanto Lalão é de um compositor com o mesmo nome.;
Yamandu vê Mafuá como um disco emblemático, por ser o primeiro solo e pela possibilidade de mostrar o seu trabalho de compositor. ;Eu vinha trabalhando há algum tempo nestes temas, mas ainda relutava em gravar coisas compostas por mim. Mas aí senti que já tinha amadurecido e quis gravá-los. Então foi como romper o cordão umbilical.;
Som brasiliense
Antes de Yamandu, quem for à Villa-Lobos poderá apreciar o som de músicos brasilienses. O violonista Jaime Ernest Dias e o bandolinista Dudu Maia farão apresentação de meia hora, cada. Jaime, acompanhado por Hamilton Pineiro (contrabaixo), José Cabrera (teclado) e Rafael dos Santos (percussão) e tendo como convidada especial a violinista Liliana Gayoso, mostrará composições próprias como Pintando o sete e Choro de Liliana. ;Vamos fazer, também, os clássicos do choro Rosa (Pixinguinha) e Santa Morena (Jacob do Bandolim);, adianta o violonista.
Dudu Maia levará temas instrumentais de sua autoria, entre os quais Inciso, Liberta coronha e Não tem coré coré. ;Incluímos no repertório alguns standards de choro, entre os quais Brejeiro (Ernesto Nazareth), Um a zero (Pixinguinha) e Noites cariocas (Jacob do Bandolim);, anuncia o bandolinista. Ele terá a companhia do grupo Aquattro, formado por Fernando César (violão sete cordas), Pedro Vasconcellos (cavaquinho) e Valério Xavier (pandeiro).
YAMANDU COSTA
Show do violonista para lançamento do CD Mafuá (Biscoito Fino. Preço: R$ 34,90), com abertura do violonista Jaime Ernest Dias e do bandolinista Dudu Maia, em comemoração aos 10 anos da produtora Ossos do Ofício. Hoje, às 20h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Entrada franca, mediante a retirada de ingressos a partir das 12h, na bilheteria do teatro. Classificação indicativa livre.
O Houaiss explica
Mafuá, substantivo masculino
Ouça a música Elodie, de Yamandu Costa:
Leia entrevista com Yamandu Costa:
Uma coisa que chama a atenção é o som cristalino da captação. Como foi a gravação na Alemanha?
Eu conheci o Peter Finger um festival em Osnabrück (sul da Alemanhã). Ele me viu tocando, gostou muito e me convidou para tocar no festival dele (o Open Strings Festival). Lá, cada guitarrista tem seu festival. É uma troca ; há uma comunidade de violonistas ao redor do mundo. E eu viajo muito para esses festivais ; acabei de ir para Austrália, inclusive ; e é legal porque você acaba conhecendo muita gente. E o Peter me convidou para gravar um CD com a estrutura dele. Ele tem uma casa que é ao mesmo tempo plateia, estúdio e loja de disco.
Ele é um grande conhecedor de violão, então.
Ele é um grande violonista, toca muito, naquele estilo fingerstyle, uma mistura de country americano com jazz, com música clássica ; uma fusão muito feliz (não são todas as misturas que dão certo). Ele toca muito bem nessa onda. Maravilhoso.
O disco foi lançado primeiro na Europa;
Primeiro lá, com ótimas críticas. Tem feito uma carreira bem bacana esse CD. E agora saiu no Brasil.
A decisão de estar sozinho no estúdio teve a ver com essa circunstância, então.
É um paradigma para um solista lançar um CD solo.
Como se fosse um recital?
Exatamente. Não é uma coisa fácil. Você tem que estar com muita propriedade daquilo que faz, com maturidade para ter um registro que dure por anos, que tenha uma qualidade significativa. Por isso demorei bastante. Tenho quase 20 discos e esse é o único solo. Não é uma coisa fácil e eu fico contente com o resultado, acho que está bem honesto, com um bando de composições próprias ; realmente uma radiografia da alma da gente.
Duas composições, Zamba tuerta e Elodie, parecem indicar novos caminhos em sua obra;
Uma influência muito argentina que eu tenho. Samba é um ritmo e este é um samba no feminino ; samba com zeta (letra "z" em espanhol). É uma música extremamente argentina, mas com harmonia brasileira. Elodie é uma música que fiz para a minha mulher quando conheci ela na França. Tem um ar bem melódico, bem tristoroso. Eu fiz para ela e mandei pelo YouTube. Hoje tem mais de 100 mil acessos, mas ela foi a primeira a ver o vídeo. Eu mandei para ela ver, na verdade. Eu estava lá na casa da minha mãe, em Porto Alegre, e falando com ela (Elodie) pelo telefone. Eu no Brasil e ela na França (a família dela é francesa). Eu falei: "Olha, um presente que eu mandei para você, uma música que tem o teu nome". Muito chorosa por causa da saudade, da distância. Amor a distância é uma coisa complicada. Tanto que ela veio morar comigo no Brasil. A gente tá com nenezinho de quase dois meses.
O nome do guri?
Benício. Estamos muito felizes, supercontentes com isso. Inclusive essa música, Elodie, tem um rapaz, em Tel Aviv (Roee Ben Sira) que fez uma versão para piano para ela e acho que é uma música que caminha bem independentemente da instrumentação.
Sua mulher o influencia em audições mais eruditas?
Total, total. A gente se complementa muito. Venho com toda a soltura que a música popular tem. E tem isso de não ver a música como um bicho de sete cabeças, muito pelo contrário. Ao mesmo tempo, é importante um entendimento melhor. Acho que é até mais importante do que tocar. Aí você começar a entender do assunto, a se deparar com grandes obras, com a música de Schubert. Isso enriquece muito a estrutura emocional de cada um.
No Prêmio da Música Brasileira, você dividiu o palco com o (bandolinista) Hamilton de Holanda e foram os mais aplaudidos da noite. A gente está vivendo um novo momento para a música instrumental?
Acho que sim, mas não é uma coisa que se limite a Brasil não ; é uma coisa do mundo. Mas mais focado na tradição de cada país. A música argentina cresce. A música na Europa cresce. A japonesa. O sistema de globalização veio para definir várias coisas. E, pelo menos nesse sentido, o tiro saiu pela culatra, porque as diferenças nunca foram tão importantes ; de cada povo, de cada cultura, de cada música. Cada vez mais se aprecia isso: as diferenças. Acaba que a música tradicional "pula", ela ressurge com uma maneira de defender seu território. Então a gente passa por isso. A consciência deu uma melhorada. Acontecendo isso, os jovens começam a tocar. Projetos como a escola portátil do choro, mais orgulho de si mesmo. Mais satisfeito. Um cuidado mais positivo. O problema que a gente na América Latina é a cultura da "música nacional" ; esse nome que atrapalha. Você não vai num show do Chico Buarque e diz que é "música cantada".
Você podia explicar o título da faixa Bostemporânea?
Isso é uma sacanagem com a música contemporânea, de vanguarda. É muito difícil voc. Contemporâneo serve para todos nós. Pretensão de algo que nunca foi feito. A pretensão humana é um desastre. Acaba que essa música pretensiosa acaba ficando no lugar dela. Ela existe para não ser tocada. Ela tem na forma dela um protesto contra a pretensão da contemporaneidade.