Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Com saúde frágil, Seu Teodoro assistiu à festa criada por ele há 48 anos


De chapéu de palha, adornado de vermelho e preto, e feição impassível, Seu Teodoro Freire, 90 anos, assistiu à 48; edição da festa da matança do gado, que começou sexta e seguiu até ontem, em Sobradinho. Vítima de um enfisema pulmonar, o maranhense que importou a tradição do bumba-meu-boi de seu estado natal e incluiu a folia no calendário festivo do Distrito Federal, esteve internado na festança de 2010. Por isso, os organizadores o cercaram de cuidados neste ano. Um camarote, adornado com bois e enfeites de cultura popular, foi montado diante do palco principal, especialmente para ele. Carregado escadaria acima, Seu Teodoro foi posicionado em uma cadeira de frente para o espetáculo, com a garrafa de oxigênio que o acompanha.

Apesar do silêncio compenetrado, emocionou-se diante do desfile de penas, plumas, fitas, tambores e pandeiros, que se seguiu diante dos seus olhos. ;Estou feliz demais, com a Maria José do meu lado e todos esses bois aqui;, dizia. Maria José é a companheira da vida toda, mãe dos nove filhos, que, mesmo preocupada com a saúde do marido, não segurou seu ímpeto de acompanhar a festa que criou. ;Ele é apaixonado. Só falava nisso;, revela.

Desde que a saúde começou a deixá-lo na mão, há cerca de três anos, o criador da festa do boi em Brasília passou a função para o filho caçula, Guarapiranga Freire, que, além de coordenar a iniciativa, é bailante no grupo de boi da família. Nesse período, a festa ganhou ares de superprodução. O palco dessa edição foi o maior já erguido na sede do boi, nem de longe lembra o tempo em que os grupos se apresentavam sobre o chão de terra batida. Em um canto do terreno, também foi construída uma praça da alimentação com oito barracas. Uma veio direto da capital maranhense para oferecer iguarias tradicionais da região, como arroz de cuxá, torta de caranguejo e guaraná Jesus. ;A festa cresceu muito, graças ao trabalho de resistência dele. Uma hora, o reconhecimento chega;, admite o filho.

Na edição passada, cada noite recebeu cerca de 1.5 mil espectadores. Nessa, a expectativa foi a de lotar o pátio com quase três mil pessoas por noite. O caráter superlativo da festa se revelou também na quantidade de atrações. Enquanto no ano passado, oito grupos de bumba-meu-boi locais e quatro maranhenses se apresentaram durante a festa da matança do gado, neste ano, foram 12 agremiações do Distrito Federal e sete vindas especialmente do Maranhão para a ocasião.

Festa brilhosa
Antes de subir no palco, todos os participantes se aglomeravam em torno de uma fogueira, acesa na entrada da festa. Era parte do ritual esquentar o couro das zabumbas e fazer o aquecimento, que reuniu todos os instrumentos usados nas toadas: maracas, pandeirões, zabumbas, tambor-onça, instrumentos de sopro. Os personagens da festa, bailantes, a Catirina, o fazendeiro e os índios, entre outros, desfilaram seus chapéus imensos, cobertos de fitas e penas, as capas e roupas bordadas com canutilhos e miçangas coloridas, os adereços feitos no capricho. De todos eles, o Boi da Fé em Deus, há 73 anos caindo na brincadeira, foi quem incluiu primeiro essa exuberância visual de cores e detalhes na folia maranhense. ;Tentamos fazer a festa cada vez mais brilhosa. Queremos abrilhantar a brincadeira;, destaca Zé Olhinho, o dono do boi.

Além dos brilhos que o Boi da Fé em Deus introduziu na festança, a companhia Barrica, uma espécie de ;prima rica; da folia maranhense, animou a noite fria de Sobradinho, compondo um trenzinho animado com a plateia. Durante o fim de semana, mais de 40 apresentações se revezaram no palco e nos arredores. Mas o astro foi mesmo Seu Teodoro. Quando seu grupo de bumba-meu-boi acabou a apresentação, desceu do palco e parou diante do camarote, para saudá-lo. Ele se levantou e correspondeu, acenando para os amigos da vida inteira. O sonho surgido na cabeça de Seu Teodoro ganhou eco e grandeza na imaginação de Guarapiranga. ;Queremos uma grande celebração para comemorar os 50 anos do bumba-meu-boi do Seu Teodoro, em 2013. Nossa ideia é aumentar a quantidade de grupos ainda mais e fazer uma grande estrutura típica de arraial junino. E se Deus quiser, com meu pai fazendo a abertura da festa;, planeja.