Gramado - ;Eu vivo, mas não estou vivendo;: a frase, saída do protagonista do último filme estrangeiro (Jean Gentil) exibido pela mostra competitiva do 39; Festival de Cinema de Gramado (a ser encerrado hoje, com a premiação), dá a medida do material denso exibido no programa duplo da noite que marcou as últimas projeções de filmes no Palácio dos Festivais. Jean Gentil, vale lembrar, foi título selecionado para a mostra Horizontes do Festival de Veneza (Itália).
A problemática do filme ambientado na República Dominicana, e conduzido em parceria pelo casal Laura A. Guzmán e Israel Cárdenas, toca o personagem haitiano (interpretado por Jean Remy Genty), um professor cerceado do trabalho, um dos pilares da vida dele complementada ainda pelo peso da fé. Com extrema simpatia, o ator Genty compareceu à sessão, admirado pelo cenário de Gramado -- ;é uma cidade muito limpa, vocês não têm nada de lixo;, comentou, sublinhando o privilégio dado pelo ;arquiteto do universo; aos moradores locais.
O comentário fez sentido, especialmente quando visto o longa-metragem, que trata do contato com a natureza bruta e com a espiritualidade, a partir da postura altiva de um homem subestimado pela sociedade dita civilizada. Sem muitos diálogos, o filme é focado na condição de isolamento, incapaz de descrer do Deus que ;sabe de todas as nossas necessidades;. Com dignidade e o ;coração feliz;, Jean Gentil encontra uma trajetória libertadora.
Também tratando da riqueza do universo interior de um personagem ; no caso, Clarice (Simone Spoladore) --, o longa Sudoeste (de Eduardo Nunes) marcou a última exibição de filme no Palácio dos Festivais. No título, em preto e branco e que não concorre a prêmios Kikito, um ciclo de vivências de perplexidade e de desencontros com o tempo linear, testam a racionalidade de Clarice, inapta a se integrar numa sociedade, a exemplo da de Jean Gentil, isolada e arcaica.