;Sou um professor, não um guru;, avisa Tom Stempel, logo no começo do livro Por dentro do roteiro, que chega ao Brasil pela Editora Zahar. A intenção do autor, que dá aulas há mais de 35 anos no Los Angeles City College, não poderia ter sido apontada com mais clareza. Antes que o acusem de didatismo, ele explicita que está aqui, sim, para ensinar ; e sem as divagações de um ensaio de filosofia. A complicação é que, no caso, o ;material didático; permite diversas interpretações, para o bem e para o mal: em 304 páginas, Stempel analisa 21 roteiros de cinema, além de fazer comentários sucintos para outros 32. Não cria suspense ; separa os scripts em ;bons;, ;não tão bons; e ;ruins;.
Regra do jogo
Para evitar mal-entendidos, o escritor determina a regra do jogo: ;Em um filme, a história é essencial. Um bom roteirista é importante mesmo para grandes diretores, como David Lean e Alfred Hitchcock.; Ao convidar o leitor para observar os filmes ;do ponto de vista do roteiro;, Stempel nega a noção de que o cineasta é o autor soberano dos longas-metragens que dirige. Pelo contrário, ele afirma: quando um aluno avisou que queria filmar ;cinema puro, como Hitchcock;, o professor deu uma aula sobre o detalhismo do roteiro de John Michael Hayes ; que descreve, com rigor literário, cada uma das reações dos personagens. ;Ainda espero pelo dia em que cada roteirista tenha espaço nos extras para reclamar sobre como o diretor arruinou seu trabalho;, provoca.
Polêmicas à parte (e muitas delas não resistem a uma leitura mais crítica), o valor de Por dentro do roteiro está no fato de que Stempel é um ;historiador de Hollywood;. Ele conhece, por isso, os bastidores da produção de grandes sucessos, como Lawrence da Arábia (1962) e Fargo (1996). A graça, para o leitor que não pretende tomar o livro como uma cartilha, está em descobrir as etapas criativas de filmes consagrados ou gongados pela crítica. A prosa informal de Stempel não mostra, porém, muitas sutilezas: é com a fúria de um estudante de cinema, aliás, que ele desmonta os supostos defeitos de Titanic (1997), uma produção que naufraga nos conceitos do escritor.
Faça você mesmo
Para Stempel, o bom roteiro segue regras maleáveis; que podem funcionar para um filme, mas não necessariamente para outro. Um desses dogmas decreta que o roteirista deve, em vez de explicar, mostrar. A outra é que as situações devem ser plausíveis, verossímeis. Não há, por sinal, nenhum filme de cineastas menos cartesianos, como David Lynch, na cartilha do professor. Aos novatos, ele faz uma recomendação que nada tem de autoajuda: assistir repetidamente os bons filmes e se perguntar sobre como o roteiro chegou a essa ou àquela solução. O objetivo é que, no fim do ;curso;, o aluno desenvolva senso crítico para julgar, por conta própria, a qualidade dos argumentos.
Autor de livros como Screenwriting (1982), Stempel desenterra histórias que mostram, por exemplo, como Lawrence da Arábia quase se transformou num épico sombrio, de tons políticos ; e foi rejeitado pelo diretor David Lean por conter ;assaltos a trens demais;. Ao contrário de Syd Field, que determinou regras fixas para que Hollywood fabricasse roteiros eficientes, Stempel admite que filmes ;errados; também podem dar muito certo: caso do francês Viagem do coração, de 2003. ;No filme, as coisas não acontecem quando deveriam acontecer... mas simplesmente quando... bem, quando acontecem;, escreve ; agora, já não tão cheio de certezas.