Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Eventos medievais em taberna da Asa Norte remetem à época do Rei Arthur



Entre as avenidas planas e os monumentos modernistas de Brasília circulam princesas, cavaleiros, cortesãs, bardos, magos, vikings e adoradores de dragões. Homens e mulheres que, em pleno século 21, voltam ao tempo das cruzadas, das armaduras, dos feudos e das lutas com capa e espada. A moda medieval começou em uma festa temática, que deu origem a uma taberna, localizada na Asa Norte, e prolifera por comemorações em toda a cidade. O clima de revival atinge também os músicos, que se dedicam, cada vez mais, a projetos com influência das tradições árabe, celta, irlandesa e folk. ;Há um grande desenvolvimento da música eletrônica e as coisas ficam mais mecanizadas, com menos essência. Existe um movimento de resgate de valores desse tempo, como a cordialidade e a hospitalidade;, acredita Caio Rebula, dono da Mittelalter, taberna que funciona como epicentro da cena medieval da cidade.

Depois de conviver durante anos com essa estética (estudou no Mosteiro de São Bento, no Rio, vivia admirando o brasão da família e também é fã de jogos de RPG), Caio Rebula começou a fazer as festas medievais no quintal de casa. ;Era mais um jantar, na casa dos meus pais. A gente acendia uma fogueira, tinha uma mesa com comidas e uma ex-namorada fazia um número de dança do ventre;, conta. Hoje, ;os rituais; milenares são realizados no Memorial das Idades do Brasil, no Setor de Mansões do Lago Norte, e chegam a reunir 400 pessoas, com trajes de época, que se dedicam a práticas como tiro com arco, forja e cutelaria. Mas encontros esparsos não bastavam. Sentindo a demanda latente, ele e o amigo Marcelo Cintra inauguraram a taberna, localizada na 203 Norte.

No subsolo da casa, que vende pão líquido e hidromel (bebida alcoólica anterior ao vinho e à cerveja) à luz de tochas, muitos músicos se encontraram e deram início a um intercâmbio de estilos antigos. Rebula calcula que pelo menos oito projetos musicais surgiram em seu espaço. Um deles é o Antique, que faz uma mistura de blues e soul a influências árabes, celtas e eruditas, incluindo canções em latim no repertório.

Criadora do projeto, a musicista Jamila Gontijo também tinha um encantamento com esse universo misterioso da antiguidade. Afinal, estudou história da arte, é filha de escoceses e se dedica à dança do ventre, além de música flamenca, celta e oriental. ;Algumas pessoas são mais românticas, procuram referências para além da pós-modernidade. Talvez por ser uma cidade muito moderna, Brasília abra espaço para essa busca por tradições mais antigas;, acredita ela. Jamila pesquisa na internet e ouve muita música barroca e composições anônimas de séculos passados para compor a seleção de músicas, geralmente executadas por violino, violão, teclado, banjo, cajón e derbak (instrumentos de percussão), além dos snuj, pratinhos de metal acoplados às mãos, tradicionais na dança do ventre.

Volta e meia, outros músicos são convidados para reforçar a sonoridade da banda. ;Existe um circuito de músicos. A gente troca figurinha e um faz participações na banda do outro;, relata Jamila. Um exemplo dessa interface entre os vários grupos é seu companheiro no Antique, Tyty Moreno. Além de se dedicar ao blues e ao rock, ele integra bandas de música medieval ; dentre elas, a mais antiga de que se tem notícia em Brasília, a Celtic Soul, criada em 2002. ;Demos o pontapé inicial no movimento. Na época, não havia nada relacionado a esse tema na mídia, mas a aceitação foi ótima. Percebemos um público fiel;, relata ele.

Hoje, a Celtic Soul e todas as bandas que vieram na esteira dessa tendência se apresentam em festas medievais, embaixadas, feiras místicas, convenções, casamentos temáticos, festas vikings, encontros de RPG, bailes de Halloween e festivais de beltane (celebração celta da fertilidade). ;O gênero cresce no Brasil e no mundo, impulsionado também pelo cinema e pela literatura. Nos anos 1960, tivemos um revival da música celta nos Estados Unidos, a partir do Movimento Nacional Irlandês. Depois veio Brumas de Avalon (best-seller de Marion Zimmer Bradley), Enya, o new age, a trilogia Senhor dos anéis, Rei Arthur, Harry Potter, a Wicca e o paganismo, os jogos de RPG;, enumera o músico.

A banda, que começou tocando ritmos tradicionais celtas, como reels, jigs e irish drink songs, agora prepara um álbum, que mescla o ritmo a melodias de tradição flamenca, ao rock, ao blues e às raízes gaúchas. Em uma parceria com a companhia de danças celtas e medievais Le roi danse, eles criaram um espetáculo baseado na lenda do Rei Arthur, chamado Avalon nights. ;É uma música ligada à espiritualidade. Celebra a vida, a magia e as forças da natureza;, elogia Moreno.