José Carlos Vieira
postado em 17/07/2011 08:00
As orquestras estão de volta. Não importa o gênero, todas têm público certo. É o que celebra o maestro Fabiano Medeiros, da Marafreboi. Em conversa com o Correio, o pernambucano comemora a diversidade cultural de Brasília, "um espaço de muitos mosaicos", de sua origem em bairros pobres da periferia de Recife, Chico Science e da necessidade de se investir no estudo da música brasileira nas escolas públicas. Para o segundo semestre, a orquestra Marafreboi prepara a abertura do projeto Noites Pernambucanas, sempre com atrações locais e de outros estados.O que fez você buscar as raízes pernambucanas aqui em Brasília?
Assisti a muitas representações da cultura pernambucana aqui, sobretudo informais, no período carnavalesco. Resolvi pesquisar sobre a origem das expressões artísticas pernambucanas em Brasília e conheci outras troças, além do Galinho. De acordo com o pesquisador Leonardo Dantas, existiam manifestações como o Vassourinhas e o Lenhadores, que surgiram em 1967; um ano depois, surgia o Pás Dourada. Já nas décadas seguintes, vieram o Batutas do Cruzeiro (1973) e o Bola de Ouro (1985). Esses blocos nem existem mais e só na década de 1990 é que apareceram os novos como o Galinho de Brasília (1992) e o Menino da Ceilândia (1995).
E daí para o Marafreboi?
Como músico de sopro e nascido no bairro de Afogados, em Recife, tinha saudade dos ritmos pernambucanos. Aqui também há muitos instrumentistas nordestinos que se identificam com os gêneros daquela região. O Marafreboi surgiu em 2007, justamente com o ressurgimentos das grandes orquestras brasileiras, como a Mantiqueira e a Spok. Antes, as orquestras eram mais laboratoriais, ou seja, ligadas a departamentos de música, escolas, instituições privadas; mas a orquestra como entidade ganhou fôlego agora, como também a Savana, a Brapo (de Brasília), a Imperial, a Contemporânea de Olinda, da Bomba do Hemetério, da periferia de Recife, e a Orquestra Popular da capital pernambucana, que é a minha grande referência. Ela nasce com o Movimento Armorial, capitaneado por Ariano Suassuna na década de 1970, que buscava resgatar a cultura popular.
Qual o segredo para manter a pegada tradicional e não parecer uma banda cover de frevo?
É a mistura. A identidade cultural de Brasília é essa mistura, essa diversidade cultural. Ela não é meramente cosmopolita, ela deixa esses mosaicos culturais sobreviverem. Um exemplo é o bloco Suvaco da Asa, que arrasta 11 mil pessoas. O Galinho, com sua representatividade, o Menino da Ceilândia. Brasília é a liberdade misturada com a diversidade.
A Marafreboi já foi a Pernambuco?
Ainda não, mas já está se desenhando a oportunidade com Claudionor Germano, um dos grandes cantores do estado. Em setembro, vamos participar do Encontro de Culturas do Mundo, no Rio de Janeiro; no dia 23, estaremos no 11; Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros (GO), é a segunda vez que a gente vai; na segunda quinzena de agosto, vamos nos apresentar no 7; Festival de Música Instrumental e Arte Popular de Cavalcante (GO). A Marafreboi é um retrato da diversidade de Brasília, tem gente de tudo quanto é lugar, Paraná, Bahia, Alagoas, Pernambuco; O curioso é que encontrei aqui uma turma alagoana, de Marechal Deodoro, que tem na sua formação musical o frevo. Já é uma segunda leitura do frevo, distante da matriz pernambucana. O naipe de trompete da Marafreboi quase todo é de Alagoas.
O mangue beat e Chico Science têm influências sobre você? Se sim, como isso se materializa?
O meu lamento é não ter vivido esse movimento no fim dos anos 1990. No arcabouço da cultura brasileira, há um hiato musical no início do anos 1990. Aí vem o pessoal do mangue beat e mistura o rock com a cultura popular e cria-se uma cena que reverbera no Brasil todo. Muitos contemporâneos meus fizeram parte, como instrumentistas, desse movimento.
Vocês tocam alguma música que remete ao mangue beat?
A gente fez um arranjo novo para Praeira, uma música muito conhecida dele que remete à Revolução Praeira e também à ciranda praeira. Quando a gente toca na rua é uma loucura.
Como a Marefreboi faz para não ficar marcada como uma banda de carnaval?
Nosso esforço é buscar inserções na agenda cultural da cidade ao longo do ano, e não de maneira sazonal. Além do frevo, incluímos em nosso repertório o samba rock, o coco, o forró, o maracatu; Para o fim do ano, estamos buscando um repertório que diz respeito à música natalina, o pastoril. Acho fascinante a melodia do pastoril, com o sotaque de uma orquestra de sopro, e a gente não tem isso aqui em Brasília no período de Natal. As músicas são sempre europeias e americanas.
Você acha que Brasília já tem uma manifestação com característica própria? Acredita na autenticidade de Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, por exemplo?
Como disse antes, Brasília permite esse mosaico. Se é um grupo que gosta da cidade, que tem uma música particular, como o samba pisado, é daqui mesmo; nasceu aqui. Agora, só o tempo, como cruzamento etário, por exemplo: a gente vai no carnaval e vê velhos, crianças, pessoas de todas as idades na folia, isso constata o fortalecimento popular da festa. É assim que se consolida uma expressão artística. Seu Estrelo está fazendo isso, cruzando as faixas etárias, vivenciando os espaços da região, certamente vai dar certo.
Marafreboi é uma mistura de MARAcatu, FREvo e bumba-meu-BOI, como surgiu a orquestra e qual a sua formação atual?
Quis montar o nome da orquestra de forma que ela fosse representativa em sua forma sonora e que remetesse a ritmos valorosos da nossa nação, que são seculares. É como se eu e meu grupo tivessem carregando uma responsabilidade danada em favor da música brasileira. Somos quatro saxofones, dois altos, dois tenores, três trompetes, três trombones de vara, eventualmente uma tuba ou duas, um baixo elétrico, uma guitarra (um tempero a mais) e três percussionistas. Hoje, somos 16 músicos. Com o grupo também criamos o Balé Marafreboi, que casa a dança com a música do cavalo-marinho, do xaxado, do maracatu; sempre com a roupa apropriada para o ritmo. Temos cinco bailarinos que se vestem com a indumentária de cada gênero que a gente toca.
O musicólogo Ricardo Cravo Albin cobra do governo federal a implantação imediata do ensino da música brasileira nas escolas públicas. É esse o caminho para resgatar a nossa cultura?
Isso toca na minha alma. Sou de uma região muito pobre da periferia de Recife, nos bairros Peixinho, Varadouro, Jardim Brasil, áreas mais pobres daquela capital. E foi a música que fez fugir da estatística de violência desses lugares. O trabalho que desenvolvo com alguns integrantes da orquestra no ponto cultural Meninos da Ceilândia, de educação musical, de resgate social, é muito nesse sentido. Duvido muito que um cidadão que tenha acesso a qualquer código artístico: música, artes visuais, cênicas; dificilmente ele vai se tornar uma pessoa violenta. Porque a experiência com esses códigos é algo que trabalha o espírito e a alma do ser humano, a serenidade; é diferente. O estado tem de tomar a frente disso, com urgência.
Como é o projeto Noites Pernambucanas que vocês estão preparando?
Nesta primeira apresentação, a gente abre com dois grandes músicos, é como se fosse o Buena Vista Social Frevo (risos). Dois mestres: Claudionor Germanso está para o frevo, assim como Roberto Carlos está para música romântica, ou Michael Jackson está para o pop. Ele vai fazer 80 anos em 2012 é o intérprete que mais gravou música do Capiba. Já Ademir Araújo é o maestro que até hoje conduz a Orquestra Popular do Recife, que é minha grande referência. A primeira edição ocorrerá em agosto. A ideia é realizar o projeto a cada três meses. Ainda estamos atrás de patrocinadores.