Paraty (RJ) ; O escritor português Valter Hugo Mãe chorou e provocou comoção na plateia da quinta mesa da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). No palco para o debate Pontos de fuga , ao lado da argentina Pola Oloixarac, Hugo Mãe leu uma declaração de amor ao Brasil que arrancou lágrimas de muitos olhos e ofuscou a colega, que já carrega o título de musa da nona edição da festa.
Hugo Mãe contou que se encantou pelo Brasil na infância, quando um casal de brasileiros se mudou para a casa ao lado da seus pais. Tudo que cercava os brasileiros e suas duas filhas parecia mágico e os colegas na escola o tratavam bem quando dizia que era amigo dos vizinhos. O português acaba de lançar no Brasil os romances O remorso de Baltazar Serapião e A máquina de fazer espanhóis e sonhava em vir ao país reconhecido como escritor. "A Flip me deu isso", disse, com a voz embargada. Hugo Mãe contou que escreve para criar uma vida mais interessante que a sua. "O escritor procura substituir com literatura aquilo que lhe falta", disse. "Livros são máquinas de fazer sentimentos."
Tímida, Pola leu trecho de seu As teorias selvagens, considerado a revelação da literatura jovem argentina, e falou sobre a relação entre literatura e cultura digital. "O romance me interessa como laboratório." No livro, a argentina desenha uma comédia situada em ambiente acadêmico e cria personagens nerds mergulhados na cultura digital. "Há certa ideia de que o conhecimento deveria pertencer a uma casta separada e me divertia a ideia de fazer comédia com isso." Pola também contou como percebeu certa discriminação machista quando lançou o romance.
Hugo Mãe revelou que, ao se aproximar dos 40 anos, sente enorme vontade de ter filhos e que há um amor reservado para a própria prole que nãoo pode ser destinado a outros familiares. Pola reparou que, se ela dissesse a mesma coisa, seria comparada a uma personagem de Sex and the city. "Me parece que quando uma mulher fala de ideias com certa ambição mental sempre se encontra uma maneira de fazê-la falar de outra de outra coisa. Nunca tinha me preocupado com isso até lançar As teorias selvagens."
Na mesa Laços da família, o húngaro Peter Estérhazy e o francês Emmanuel Carr;re falaram sobre relatos inspirados em histórias pessoais. Pouco conhecido no Brasil, Estérahzy descende de família nobre e fez de seus antepassados personagens de romances como Verbos auxiliares. O autor revelou como, em uma das pesquisas destinadas à confecção de seus romances, descobriu que o pai havia sido colaborador da polícia secreta húngara. Estérhazy descobriu o segredo quando recebeu um dossiê com relatórios escritos pelo próprio pai e guardados pelo governo húngaro. "Pensei em como ia ser a minha vida depois de confrontado com aquele fato de que meu pai era informante da polícia secreta", disse. "Não correspondia às minhas lembranças, à minha vida."