Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Livro reúne fotografias do cotidiano dos seringueiros de reserva no Acre

A primeira vez que Regina Santos desembarcou na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, há 12 anos, o local ainda não contava com luz elétrica. Na época, a unidade de preservação federal não havia completado uma década e a comunidade de seringueiros se organizava para montar uma estrutura de sobrevivência após longo período de luta pela proteção dos seringais. Regina voltou ao local três vezes ao longo dos últimos anos. Na derradeira, em 2010, passou 45 dias hospedada na casa de um primo de Chico Mendes para fazer o livro Hevea Brasil, que lança hoje na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi.

O processo de extração da borracha serviu apenas de introdução para a fotógrafa. Na verdade, Regina estava interessada no cotidiano da comunidade e nas mudanças ocorridas desde 1990, quando um decreto do governo federal criou a reserva após anos de conflito entre fazendeiros e seringueiros. ;Hoje eles podem caçar para consumo próprio, têm uma área de manejo para plantação de arroz e outros produtos e vivem da extração da borracha e da castanha. Minha intenção era mostrar que eles conseguiram o intuito deles, que era proibir a invasão e o desmatamento;, destaca a fotógrafa.

Hevea Brasil, uma referência ao nome científico da seringueira, reúne 100 fotografias realizadas durante a vivência do cotidiano dos seringueiros da reserva. Para destrinchar esse dia a dia, Regina dividiu o livro em cinco capítulos, cada um incumbido de apresentar um aspecto da vida diária da população. O primeiro é dedicado à floresta, fonte de subsistência e origem desse povo. Mas é apenas uma introdução. A lente da fotógrafa quer mesmo dar ênfase ao modo de vida.

Reverência
Assim, Regina conduz a câmera pelos interiores das casas, pelas expressões de apaziguamento, pela simplicidade na manutenção de convenções sociais e pela tradição do trabalho. Um casamento com buquê de flores de plástico lembra que a pompa pode não estar presente, mas o fundamental na união de duas pessoas basta para a festa. Na infância da reserva, os brinquedos são outros, fornecidos pela floresta, e a caça, base da alimentação, é objeto de reverência e cuidado. Nos rostos fotografados em close ; imagem sempre presente nos ensaios de Regina ;, paira a tranquilidade de quem vive do fruto de luta consistente e vencida.

O recorte é deliberado. A fotógrafa quis, intencionalmente, revelar um cotidiano de satisfação e bem-estar. ;Hoje eles têm um cotidiano muito tranquilo e a ideia era mesmo mostrar a beleza daquele povo, que sobreviveu e hoje vive superbem, com qualidade de vida.; Se a religiosidade ganhou destaque naturalmente em algumas fotos ; ;ela é muito forte para eles; ;, a tradição foi insistência de Regina. Ela queria registrar uma poronga, a antiga lanterna com chama de querosene usada pelos seringueiros para trabalhar durante a madrugada quando o sistema de defumação da borracha exigia que a coleta fosse feita antes do dia nascer. ;Quase que não consigo encontrar;, conta a fotógrafa. ;Hoje a defumação é química e eles não precisam mais sangrar tão cedo, então não usam mais a poronga.; As imagens encerram o livro ao lado de técnicos em processo de instalação de postes de luz.