A atriz, dançarina e arte-educadora Nara Faria tomou um susto quando disseram para ela que os seus movimentos de quadris, daqueles que hipnotizam homens e mulheres, revelando músculo por músculo em câmera lenta, denominavam-se ;dança tribal;. Ela estranhou. ;Nem eu sei o que faço;, confessa. De uns tempos pra cá, apresentações com essa denominação ficaram comuns na cidade. Quem assiste pensa estar diante de um show de dança do ventre. Jhade Sharif, fundadora da Escola de Artes Orientais Asmahan (RJ) e campeã nacional de dança tribal 2009, desfaz a confusão. ;O tribal é um estilo contemporâneo, que teria surgido na década de 1960, quando a coreógrafa Jamilla Salimpour visitou o Oriente Médio e o norte da África. Os movimentos do flamenco, da dança do ventre e da dança clássica indiana foram trazidos para o Ocidente, onde originaram a American Tribal Style (ATS);, explica.
As transformações, contudo, não pararam por aí. Desde que o tribal chegou aos Estados Unidos, outros estilos contribuíram para internacionalizar ainda mais as coreografias, como a dança contemporânea e moderna e o hip-hop. Ao produto em constante formação, deu-se o nome de tribal fusion. A globalização traduzida corporalmente é demonstrada por bailarinos como Nara. No ano passado, na Universidade de Brasília (UnB), ela apresentou o Concerto a céu aberto para solos de ave, em que recitou poemas do livro homônimo de Manoel de Barros. Em cena, Nara misturou música brasileira, elementos do teatro e do circo, técnicas de rapel e poesia.
A brasileira passou por uma crise de identidade cultural ao descobrir o mundo árabe, mas, hoje, ela exercita a dança tribal ao som de música nordestina e choro. ;O objetivo das marcações precisas do tribal é fazer a leitura da música no corpo;, explica. Para ela, esse tipo de dança permitiu alcançar um nível mais alto de consciência corporal. ;Quanto mais devagar o movimento, mais difícil. Quanto mais lento, mais intenso;, define. Além do domínio muscular, Nara desenvolveu a feminilidade. ;A relação com o meu corpo mudou totalmente. Descobri que posso ser delicada. Antes eu era mais moleque, hoje, vivo os meus dois polos opostos;, conta a bailarina, que também é acrobata e já dançou tribal com malabares de fogo.
Homens na roda
O feminino está intrinsecamente ligado à dança. Para Rodrigo Alves, professor de jazz, tribal e dança do ventre, ao contrário da maioria das danças orientais, o tribal trabalha a feminilidade como uma característica encontrada em homens e em mulheres. Ele define a energia feminina a partir de algumas características, como a intuição e o cuidado com o corpo. Segundo ele, a demonstração do domínio técnico do corpo é o propósito do tribal. ;Não é o exibicionismo, a exposição do corpo. As tribalistas no Oriente Médio dançam totalmente cobertas, e mesmo assim, percebemos cada movimento;, explica.
A troca de energia entre as dançarinas resgata o caráter ritualístico das danças precursoras. ;No ATS não existe dança solo, só em grupo;, explica Jhade. De acordo com Rodrigo, os braços erguidos louvam a deusa, o balanço dos quadris remete à criação. Momentos de improviso são intercalados com coreografia, a partir de um código interno compartilhado pelas dançarinas.
Segundo Rodrigo, o estilo solo surgiu a partir dos anos 1990. Acostumado a se apresentar sozinho, acredita que a individualidade artística é acentuada pelo fato de ele ser um homem dançando: ;Algumas mulheres se sentem ameaçadas quando veem um dançarino;. Para ele, o tribal é uma filosofia de vida. Às vezes, eu tiro duas horas do meu dia para treinar apenas os movimentos do punho;, disse.
Ele deu os seus primeiros passos de dança em grupos de axé e funk, há oito anos. Foi viajando com um deles, a Banda Imagem, que o bailarino viu pela primeira vez a dança tribal. A partir de então, decidiu se profissionalizar. ;Quando era criança, aprendi a dança do ventre vendo as minhas tias dançarem na chácara do meu avô;, conta. ;Os meninos que começaram na dança do ventre estão migrando para o tribal.; Apesar disso, Rodrigo acredita que o desenho corporal masculino deve ser respeitado: ;Os movimentos do tribal exigem força. Acho que nisso os homens têm vantagem;.