No Brasil inteiro ela é conhecida como Anastácia, forrozeira, parceira de Dominguinhos na composição da clássica Eu só quero um xodó. Mas, antes de ganhar esse nome, era Lucinete Ferreira, pernambucana que, ainda jovem, trocou Recife por São Paulo à procura de melhores oportunidades como artista ; levando a tiracolo a mãe viúva e os irmãos pequenos.
Quem a rebatizou de Anastácia a sua revelia foi Palmeira, produtor do primeiro LP, Anastácia no forró, lançado em 1961. Ele achou que Lucinete não era nome de artista. A inspiração veio do filme Anastácia, a princesa da Rússia, protagonizado por Ingrid Bergman. Passado o susto de ver o disco pronto com o nome de ;outra;, ela bem que concordou.
Essa história toda, de como Lucinete trocou Recife por São Paulo, virou Anastácia e se tornou compositora conhecida nacionalmente, é mais bem contada no recém-lançado livro Eu sou Anastácia ; Histórias de uma rainha, narrado em primeira pessoa, com o auxílio da historiadora Lêda Dias, gerente do Memorial Luiz Gonzaga, em Exu. ;A ideia inicial de biografia evoluiu para uma autobiografia, o que se justifica pela eloquência do discurso de Anastácia e pela quantidade imensa de informações que ela é capaz de trazer enquanto pinta um quadro verbal; , explica Lêda. ;Gostaria de que as pessoas lessem o livro como se estivessem conversando com Anastácia, tomando um cafezinho na mesa da cozinha; que tivessem o prazer que eu tive de ouvi-la;, acrescenta a coautora.
Realmente, Anastácia não é só uma exímia contadora de histórias como sabe temperar com humor até mesmo os episódios mais dolorosos de sua trajetória. Humor que ela leva para a vida. Isso é imediatamente percebido por quem se aproxima da artista, que, aos 71 anos, mantém-se em plena atividade ; com o livro, está lançando mais um álbum, Amor entre quatro paredes, de produção independente. Ela também demonstra uma energia surpreendente para a idade. A força física, mantém por meio da alimentação vegetariana, que adotou muito antes disso virar moda. A força espiritual, busca no espiritismo kardecista, doutrina que ela descobriu também nos primeiros anos em São Paulo.
Dona de memória prodigiosa, Anastácia começa a narrar sua história a partir de uma época em que nem era nascida, quando a mãe dela, ainda adolescente, viu-se sozinha no mundo depois da morte trágica da mãe e do sumiço do pai. Conta reproduzindo diálogos e com um coloquialismo que lembra um boa conversa na mesa da cozinha, regada a café, como queria Lêda Dias. Nesse ritmo, ela rememora, entre outras coisas, os anos que atuou como cantora na Rádio Jornal do Commércio e de quando chegou ;de mala e cuia na terra da garoa;. ;Acho que quando vim pra São Paulo, vim porque me empurraram! Nunca achei que fosse um grande talento. Eu tinha jeito pra cantar, comecei cantando e deu certo. Mas nunca me achei uma boa cantora;, confessa.
Gente do forró
Na narrativa, passam personagens conhecidos como Venâncio (da dupla Venâncio e Corumba) ; com quem Anastácia se casou pela primeira vez e teve duas filhas ;, Cláudia Barroso, Waldick Soriano, Ângela Maria, Marinês; Mas duas pessoas merecem capítulos especiais nessa história: Luiz Gonzaga e Dominguinhos. O primeiro, uma grande influência artística; o segundo, o homem que se tornaria parceiro amoroso e musical da cantora. ;Nunca amei verdadeiramente ninguém a não ser Dominguinhos. E isso quero dizer: ele realmente foi o grande amor de minha vida;, assume. Da relação de quase 12 anos, não ficaram filhos; ;Quer dizer, não tivemos filhos carnais, mas tivemos mais de 200 criações que me sustentam até hoje;, diz Anastácia, referindo-se à grande quantidade de músicas que compuseram juntos ; entre as quais se destacam Eu só quero um xodó e Tenho sede, que ganharam grande repercussão depois de serem gravadas por Gilberto Gil.
A aproximação com Dominguinhos se deu por meio de Luiz Gonzaga. A cantora e o sanfoneiro só se conheciam de vista, até que Gonzagão convidou os dois para compor o grupo que o acompanhava pelo Brasil. ;Ficamos quase três meses viajando. Fomos da Bahia a Fortaleza. Gonzaga arranjava os shows e era a atração principal.
Eu abria as apresentações e Domiguinhos me acompanhava;, lembra a artista, que já estava de olho no sanfoneiro.
A aproximação foi inevitável. Essas viagens também foram responsáveis por reafirmar em Anastácia suas raízes nordestinas. ;Vivo em São Paulo há 50 anos, já podia ter perdido a referência, mas não perco de jeito nenhum! Toda a minha história de vida vem na minha cabeça, eu vejo tudo!”, diz. E ainda bem que ela guardou muito bem na memória para nos contar.
Leia trecho do livro:
"A primeira notícia que tive do meu LP foi por uma pessoa que me encontrou, não lembro bem quem foi, e comentou: ;Teu disco saiu. Tu tá na capa, só não tem teu nome! Tá com o nome de outra mulher!' -- Puta merda, então me enrolaram!'. Fui na gravadora procurar o Palmeira. ;Oi palmeira, tudo bem?; -- ;Viu o seu disco? Está estourando a vendagem. Já mandei outro vendedor pro Nordeste. Está vendendo horrores!' -- Ah que bom! Mas por que o nome Anastácia?; -- "Seu produtor não lhe falou, não?;. -- ;Não!' Nquela época estava em cartaz o filme de Ingrid Bergman, Anastácia, a princesa da Rússia. E na trilha tinha uma música que era sucesso: ;Anastácia, la la la la, Anastácia...;. Palmeira explicou: ;Anastácia é um nome que ninguém vai esquecer, porque até agora só tinha três: a do Monteiro Lobato, que é Tia Anastácia, a escrava Anastácia, que não estava tão promovida, e a princesa russa. A quarta vai ser você;. Ainda brincou comigo: ;E lucinete, com essa terminação ete, que é muito nordestina, por sinal, muito regionalç, tem Ivonete, Marizete, Silvete, Ivonete... Até guardarem seu nome vai demorar! E Anastácia, quem ouvir uma vez guarda;. -- ;Tá bom!'. Já estava na capa do disco mesmo, eu não podia fazer nada! Não gostei muito, não, mas depois eu fui dsescobrir que meu avô era Manoel Anastácio, que até então eu não sabia o nome completo. Era sempre Manoel"