Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Pequenas companhias teatrais do DF sofrem esquecidas pelo poder público

A alguns quilômetros do Plano Piloto, o teatro tem outro nome: resistência e luta. Ele sobrevive com pouco. Ensaios, só em locais particulares, e apresentações, relegadas à pauta de auditórios de escolas e administrações regionais. Entre as cidades do Distrito Federal que não possuem uma sala específica para recepcionar produções teatrais, Planaltina enfrenta a de situação mais preocupante: os 13 grupos simplesmente não têm onde se instalar.

;O espaço utilizado para as artes cênicas é o auditório da administração regional. Mas está fechado desde janeiro. Sem condições de uso;, informa Renato Telles, gerente de cultura e diretor da companhia Quebrando o Gelo ; que, por sinal, se reúne na sala ou na garagem da casa de Telles. Em reformas, a previsão de reabertura é agosto, enquanto a construção de um complexo cultural está emperrada, dependendo de liberação de orçamento. Coisas da burocracia.

Isabel Cavalcante, funcionária da Secretaria de Educação, converteu essa carência em motivação. No Centro de Ensino Fundamental 4, ela, com a ajuda das famílias dos estudantes, construiu uma sala para a trupe Língua de Trapo, formada de meninos de 7 a 20 anos e participantes do programa Altas Habilidades, para jovens superdotados. Lá, investe em ensaios dos espetáculos Auto da Compadecida, Chapeuzinho vermelho e Segredo bem guardado. Porém, vê-los no tablado, somente daqui a no mínimo dois meses.

;Vamos abrir a temporada no segundo semestre. Não temos muita ajuda, é tudo no braço mesmo. O espaço mais acessível era a administração. Este ano, fiquei sem chão;, desabafa Isabel Cavalcante. Ela cuida de 48 integrantes matriculados no ensino público ou particular e mais 12 que continuam no coletivo mesmo sendo egressos do ensino médio. Isabel ensina teatro em sala de aula desde 1996 e foi convidada para o programa em 2005.

Outro que apelou para o próprio terreno é Preto Rezende, da companhia Senta que o Leão é Manso, composta de 25 membros. O miniteatro Lieta de Ló, com 42 lugares, que está em construção no terreno de sua casa há quatro anos, será aberto em agosto, mês em que o grupo comemora 25 anos de existência. ;A gente não tinha lugar para ensaiar. Numa hora, debaixo do pé de manga. Em outra, na quadra esportiva ou na garagem;, diz Rezende. O pai, Elias, faleceu há 21 anos e deixou uma promessa: reservar uma área do lote para abrigar o teatro. ;Já está bem adiantado, terá espaço para apresentação, mas a gente quer transformar a entrada, que é uma garagem, numa sala de exposição de fotos do espetáculo que estiver em cartaz;, descreve. Rezende pretende abrir caminho para oficinas e outras atividades culturais no espaço. Ele lamenta o desuso do salão da administração regional, que tanto utilizou a bordo do coletivo. ;A gente usava muito aquela área, mas depois passou a ser concorrido, com a chegada de outros grupos. Infelizmente a sala passou a servir como ponto de encontro de reunião para outras atividades, como de vendedores de Avon, da associação de carroceiros, servia para tudo;, diz.

Outras praças
No Cruzeiro, quem faz teatro depende de três locais: auditórios dos centro educacionais 1 (230 pessoas) e 2 (200) e do Centro Cultural Rubem Valentim (130). Getúlio Cruz, professor de artes cênicas e diretor do grupo Cutucart, comanda ensaios e apresentações com equipamentos próprios: cortinas e iluminação são trazidas de casa. Nesses espaços, os 14 filiados, todos adolescentes de colégios locais ou jovens universitários, disputam a pauta dos espaços com atividades escolares, reuniões administrativas e até eventos de igrejas. No centro cultural, a aparelhagem de som está acobertada de poeira. No Centro Educacional 1, utilizado com mais frequência pelo Cutucart, a situação é precária: há infiltrações nas pilastras, as cadeiras mal se sustentam em pé, um descaso total.

No orçamento participativo, lembra Getúlio Cruz, está prevista a construção de uma casa de cultura, no Cruzeiro Novo. Por enquanto, nada de concreto.

Em Sobradinho, o único teatro da cidade é administrado pela gerência de Educação. Em setembro, o espaço, devidamente adaptado, vai receber projeções da mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. No resto do ano, porém, os grupos teatrais concorrem com reuniões administrativas e religiosas. Raquel Lima, que fundou a companhia Carlitos, em 1984, atualmente com 12 integrantes, derrubou paredes da própria residência para poder conduzir ensaios e oficinas. ;Na minha casa, 80% do espaço eu destino ao teatro, e 20% a mim;, detalha. Com produção voltada ao público infantil e jovem, ela lamenta a agenda apertada do único tablado público destinado às performances. ;O auditório é bom, comporta 300 pessoas, mas não temos iluminação própria nem som para teatro. Não é suficiente para comportar um espetáculo bem elaborado;, conta.

Brazlândia também possui um único salão para as artes: o auditório do Centro de Ensino Médio 1. O enorme Balneário Veredinha, atualmente fechado para reformas, pode acolher, no futuro, um centro cultural. ;A previsão é que se encerre em meados de 2012. O interesse da secretaria de obras é de fazer dali um espaço cultural;, conta Mara Luana, gerente de cultura.

Valdecir Duarte, artista autônomo de teatro desde os anos 1980, lamenta o descaso das autoridades com a cultura local. ;O auditório do Centro 1 é o único que usamos para eventos. Mas ele já foi melhor, tinha cadeiras confortáveis, banheiros bons;, relata.
Apesar das quatro opções em Samambaia ; auditórios do Centro de Ensino Especial, do Centro de Ensino Fundamental 619, da Biblioteca Pública, e o Espaço Imaginário Cultural ;, Verônica Moreno, da companhia Cobaia das Artes, diz que não é o bastante. ;O Imaginário é um teatro de bolso e os das escolas fazem parte das escolas. Falta um espaço com boa estrutura, acústica, vara de iluminação e outros equipamentos necessários para uma sala de teatro. Nossa luta maior é que possa ser construído um complexo cultural;, analisa. ;A secretaria de Cultura poderia visitar esses espaços. Porque parece que somos do estado de Goiás, que não pertencemos à jurisdição do DF;, completa.