Mario de Aratanha, o produtor que criou (com Airton Barbosa) a gravadora Kuarup, em 1977, dizia se guiar por dois critérios: integridade cultural e excelência artística. ;Se tiver o aspecto comercial, no bom sentido, é interessante também;, dizia com naturalidade. Nos primeiros 10 anos, a Kuarup trabalhou com choros e a obra de Heitor Villa-Lobos. Aos poucos, foi ampliando o leque para a música nordestina, a cantoria, a música caipira. A ideia era valorizar a ;cultura brasileira de raiz; ; ouvida tanto nos bailes de forró quanto nas salas de concerto. Deu certo por um bom tempo.
Quando os tempos ficaram bicudos demais para a indústria fonográfica, a Kuarup, uma das principais gravadoras independentes do país, também parou. Em 2006, reduziu suas atividades e permaneceu praticamente inativa nos anos seguintes. Em 2009, despediu-se do mercado. Em 2010, Aratanha repassou o acervo (com mais de 200 títulos) a um grupo de acionistas de São Paulo. Agora, nove desses discos estão sendo relançados (quem diria) por conta de uma parceria com a multinacional Sony Music.
;A intenção é colocar de volta 100% do catálogo;, diz Arthur Fitzgibbon, consultor artístico da Kuarup Música. Com base nos mesmos critérios de Aratanha, eles optaram por relançar primeiro os discos mais representativos do acervo ; e, só de Villa-Lobos, a coleção traz mais de 30. ;Villa-Lobos é bastante procurado, principalmente no exterior. Foi o primeiro brasileiro que conseguiu fazer o cruzamento entre o erudito e o popular, tem um valor histórico muito grande. Estamos considerando a hipótese de juntar os mais relevantes num box de cinco ou 10 CDs;, comenta.
Por enquanto, foram para as lojas Os choros de câmara, escritos por Villa-Lobos entre 1920 e 1928, e A floresta do Amazonas, uma das últimas composições dele, de 1958, aqui interpretada por João Carlos Assis Brasil, Wagner Tiso, Jaques Morelenbaum, Jurim Moreira e Ney Matogrosso.
Do choro ao caipira
Os outros relançamentos são três discos de Renato Teixeira (Ao vivo em Tatuí, dividido com Pena Branca e Xavantinho; Ao vivo no Rio e Renato Teixeira & Rolando Boldrin); o segundo álbum de Vander Lee (No balanço do balaio); Sempre Jacob, com Henrique Cazes e a Orquestra de Cordas Brasileiras; e os dois volumes de Noites cariocas (Ao vivo no Municipal, com Paulinho da Viola e Altamiro Carrilho, entre outros; e a releitura desse, 15 anos depois, produzida por Henrique Cazes).
Além dos nove títulos, uma novidade chega às prateleiras via Kuarup/Sony: o primeiro disco da cantora Luciana Pires, Deixe com o destino. Seguindo a linha MPB clássica, Luciana estreia em CD aos 20 anos, com 16 faixas, entre composições dela (inclusive Olhos claros, a ;faixa de trabalho;) e regravações de Menino bonito (Rita Lee), Samba do perdão (Baden Powell e Paulo César Pinheiro) e Valsinha (Chico Buarque e Vinicius de Moraes).
Ouça Gente que vem de Lisboa/Peixinho do mar, com Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho
;A gente assistiu a um show da Luciana e ela chamou a atenção pela força na interpretação, pela emoção na voz;, justifica Fitzgibbon, sobre a escolha para abrir a lista de novos talentos a serem lançados pela Kuarup. ;Queremos trazer artistas sem características comerciais, um a cada semestre. Pode ser tanto um cantor de 20 anos como um senhor de 60 que nunca lançou disco. A linha definida é esta: diversificação. Como lançamos agora uma cantora, o próximo pode ser um violeiro ou um músico erudito.;
Segundo o consultor artístico, os álbuns da Kuarup devem ser relançados em lotes (de 10 títulos, no mínimo), um por semestre. ;A gente sabe que vai ter disco que deve vender 500 unidades, mas vai ter outro com uma procura bem melhor. Podendo balancear isso, é maravilhoso;, ele diz. Além da coleção de Villa-Lobos, a prioridade é reeditar os discos da bem-sucedida série Cantoria, aqueles que reuniram Xangai, Elomar, Vital Farias e Geraldo Azevedo nos anos 1980. O preço? ;Depende do lojista, mas a ideia é que cheguem a R$ 19 para o consumidor. Se passar muito disso, a gente dá dois passos pra trás.;