Nahima Maciel
postado em 09/06/2011 09:42
Brunna Caixeta, 19 anos, gosta de heavy metal e rock. Veste-se de preto, usa coturnos e mantém o cabelo bem comprido e o mais preto possível. Em um show de rock;n;roll não destoaria muito dos companheiros. Na terça-feira à noite, no entanto, a estudante de letras matou aula para realizar uma experiência diferente, Brunna resolveu checar o que é uma ópera e como funciona um concerto de música erudita. O fato de ter começado a estudar violino há seis meses motivou a garota. ;Não é sempre que tem ópera de graça. Nunca ouvi falar disso em Brasília;, garante. Brunna tem lá uma dose de razão. A última montagem com cenários e figurinos na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional aconteceu há sete anos, quando a estudante tinha apenas 12. Ela faz parte de uma geração que terá a oportunidade de descobrir ao vivo e em cores a dinâmica de uma ópera caso a primeira edição do Festival de Ópera de Brasília seja seguida de outras. Iniciado na terça à noite com um programa dedicado a Mozart, o festival lotou a Sala Villa-Lobos e levou ao teatro muitos novatos no mundo do canto lírico. Na próxima semana o programa traz duas récitas de Pagliacci e, na última semana de junho, Cavaleria rusticana, com montagem completa que inclui figurinos e cenários.
Para Luiza Calasans, 19 anos, a noite foi de novidades e confirmações. Apresentado na segunda parte do concerto, o Réquiem, de Wolfgang Amadeus Mozart, não era inteiramente desconhecido. Luiza precisou pesquisar as origens da peça para auxiliar alunos do PAS dos quais é monitora, mas nunca ouvira a missa fúnebre de Mozart inteira até a noite de terça. A obra consta do programa e a estudante de enfermagem descobriu como o compositor se dedicou à peça com a certeza de que a escrevia para o próprio funeral. ;O que mais me tocou é imaginar que era para morte dele. Você ouve com outros ouvidos;, reparou.
Na fila de quem aguardava uma oportunidade de entrar sem ingressos ; que foram distribuídos gratuitamente na segunda-feira e esgotaram no mesmo dia ;, o estudante Luís Guilherme, 19 anos, se empenhou para dar o primeiro passo em um novo hábito. ;Estou começando. Tenho interesse por estudar algum instrumento e quero criar o hábito dos concertos.;
Luís Guilherme sabia que na ópera iria encontrar, pelo menos, uma narrativa. ;Não sei muito de ópera, mas sei que envolve uma história, é um estilo que tem um diferencial, que envolve as pessoas de forma diferente do padrão porque tem uma encenação ao vivo. Devia ser feito mais vezes em Brasília.; Para o estudante, é preciso facilitar ainda mais o acesso à música erudita.
Mozart foi a estrela na abertura do 1; Festival de Ópera de Brasília. A primeira parte do programa trouxe árias das obras mais populares. Foi uma introdução ao universo operístico mozartiano, uma espécie de apresentação da gama de temas e personagens em que a versatilidade do músico conseguiu transitar durante seus 35 anos de vida. Bodas de Fígaro, Don Giovanni, Cosi fan tutte e A flauta mágica foram apresentados nas vozes de cantores de Brasília e outros estados com momentos de altos e baixos.
Emoção
A brasiliense Gabriela Correia pode não ter a voz suficientemente madura para interpretar uma ária tão cheia de agudos quanto A rainha da noite, de A flauta mágica, mas recuperou os deslizes no dueto de Don Giovanni com Marlon Maia. Aída Kellen emocionou na interpretação de D;oreste, d;aice, ária da pouco encenada de Idomeneo, e o alemão Tobias Hagge fez um trio delicado com Janete Dornellas e Renata Dourado para a romântica Soave sia il vento, de Cosi fan tutte. No Réquiem, o destaque ficou para o coro de 40 vozes, que deu corpo aos imponentes Rex tremendae e Lacrimosa, momentos em que a peça cresce e revela a maestria de Mozart.
A bancária Aline Chaves Ribeiro, 29 anos, se emocionou com a missa fúnebre, dedicada pelo regente titular Claudio Cohen ao maestro Sílvio Barbato, que regeu a orquestra por quase sete anos e morreu no acidente com o voo da Air France, há dois anos. ;Fiquei arrepiada de imaginar a mãe do maestro ouvindo a peça;, contou Aline. ;Nunca vi uma ópera, essa é a primeira vez. Nunca tive a oportunidade porque quase não tem ópera em Brasília. Vim porque é Mozart;, garante. A bancária estuda piano desde os 10 anos e resolveu compensar a falha no currículo ao lado do marido, Larry, e da filha Clara, 1 ano, também estreantes em ópera. ;É emocionante a união do coro, a sincronia e como eles conseguem cantar juntos;, reparou Larry.
Formado especialmente para o festival, o coro voltará a se reunir nas próximas semanas para as récitas de Pagliacci e Cavalleria rusticana. Se a emoção do Réquiem fica por conta do volume das vozes do coro, nessas duas óperas um jogo intrincado de histórias de traições, cenários, figurinos e habilidade dos solistas em árias para virtuoses funciona como atrativo mais dinâmico e alegre.
Encomenda
Mozart recebeu a encomenda do Réquiem de um anônimo. Nunca soube exatamente quem pagava pela composição da peça, apenas que ela deveria se executada durante os funerais da mulher de um homem cuja identidade ficou secreta. Já doente e fragilizado, Mozart começou a compor o Réquiem no início de 1791 e ficou obcecado com a ideia de que preparava a peça para o próprio funeral. O compositor morreria em dezembro do mesmo ano, sem ter completado a obra. Foi um aluno, Franz Xaver Süssmayer, quem terminou o Réquiem, que se tornou uma das peças mais importantes da história da música sacra.
Pagliacci
Ópera de Ruggero Leoncavallo com direção de Francisco Mayrink. 17 e 18 de junho, às 20h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Entrada franca.
Cavalleria rusticana
Ópera de Petro Marcagni com direção de Francisco Frias. Em 23 e 24 de junho, às 20h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Entrada franca.