Para um poeta, a inspiração para escrever pode surgir de pequenas coisas, inclusive das experiências da vida. Com Ézio Pires, não é muito diferente. Os 84 anos de idade deixaram marcas em sua extensa criação. O reconhecimento desse trabalho vem em homenagens como a que ele recebe hoje, às 19h, na Biblioteca Nacional, no 18; Poemação, que privilegia a poesia brasiliense e serve como prólogo da 2; Bienal Internacional de Poesia de Brasília, marcada para setembro.
Ézio Pires é um dos fundadores do Sindicato de Escritores do Distrito Federal e um dos precursores da criação literária em terras candangas. ;Atualmente, sou um aposentado que me recuso a me recolher aos meus aposentos;, afirma ele, que trabalhou durante 19 anos como jornalista político e crítico literário do Correio. Dessa forma, a inquietude mental, misturada a boas doses de idealismo, não deixa esse fluminense radicado em Brasília desde 1960 parar de produzir.
O currículo extenso, com 12 livros publicados; entre eles, A beleza tem fome, Anjas, Hora marginal e Poema interrompido ;, traduz o empenho dele em colocar no papel um raciocínio complexo e romântico ao mesmo tempo. Tanto que, com mais um livro prestes a ser publicado, o Tempo surdo do pós-nada ao pós-tudo, ele justifica a preocupação em preservar a própria obra para que ela seja apresentada a gerações futuras. ;Sou um velho frustrado e entristecido por conta da memória. Fui homenageado diversas vezes, mas isso apenas representa que estou vivo. Mas e quando eu morrer? O que será feito das coisas que fiz?;, questiona.
Segundo ele, os brasileiros têm memória curta e, por isso, merecem uma autarquia que mostre a história nacional a partir de uma visão como a do povo, não de uma classe política dominante, que seleciona os temas a serem abordados nas escolas. ;Na homenagem, vou fazer um discurso no qual quero expor a minha ideia de criar o Ministério da Memória Nacional, desvinculado do Ministério da Cultura;, promete.
O órgão governamental defendido por ele teria três departamentos básicos: o de memória histórica, que registra os eventos sociais; o de memória estética, que trata das ;belezas; da vida; e o de memória histérica, que são todos aqueles fatos que a sociedade subestima, mas são importantes. Ainda conforme o poeta, o ostracismo pode se tornar uma arma apontada contra a própria vida, ou da sociedade.
Sobre a época em que atuava como militante político e criador do sindicato, ele afirma que tudo não passou de um período da vida, na juventude. O autointitulado ;anárquico-conservador; se diz um revolucionário que nunca fez revolução. ;Quando estava no sindicato, descobri que um escritor não pode fazer greve, pois isso é um boicote a si mesmo;, brinca.
Esse cérebro que não para aprofunda-se em dois pontos que podem mover a vida. O amor, reitera ele, é a mais pura expressão de preocupação com outra pessoa. Já a vergonha traz o discernimento necessário para a vida em sociedade. ;Estou fazendo um inventário de como essas duas palavras são empregadas em textos. Pero Vaz de Caminha, por exemplo, menciona a palavra vergonha 13 vezes na carta do descobrimento do Brasil. Isso tudo porque a literatura está baseada nesses dois pilares sentimentais;, completa.
POEMAÇÃO 18
Sarau em homenagem a Ézio Pires, hoje, às 19h, no auditório da Biblioteca Nacional (2; andar). Participação dos poetas Antonio Miranda, Oleg Almeida, Donne Pitalurg, Yanoré Flávio e do grupo de choro Nois & Rita. Informações: 3325-5220. Entrada franca. Classificação indicativa livre.
Leia alguns poemas de Ézio Pires
Vida Torta
Estava só
Na rua
Olhando pra lua
A polícia
Me levou:
Protestei
Contra a invasão
Da minha solidão
Mas sem jeito
Me vi suspeito
De vida torta
Em horas mortas;
Pra Dançar
No baile das máscaras
A morte
Entra pelos fundos:
Discretamente me olha
E me
Chama pra dançar.
E dançamos até acabar a noite.
Santas Mulheres
Chego aos confins da solidão
Azul
Em carne e osso
Deste corpo nú de ódio
E amor
Só
Estou na sombra
Das santas mulheres putas;
Mil vezes ao dia
Elas abrem suas veias no cio
Só
Para ver
Um desejo que não existia
Para o ato de morrer p/ elas
Guardo as mãos livres
Coração intacto
Que bom viver
Sem querer viver
Só
Na sombra
Das santas mulheres putas;
Conservador
Em direção ao amor
Distante
Sou poeta
Caminhante;
Fico anárquico/conservador
Só pra ver o amor desta vida
Pelos instintos
perseguidos