Durante dois meses, oito xilogravuras resistiram firmes sobre o talho de peixe de uma feira em Belém, no Pará. Impregnadas pelo suor dos feirantes e até mesmo pelo sangue e os odores dos pirarucus, as peças fazem parte, a partir de hoje, da exposição Labirinto Ver-o-Peso, do paranaense Armando Sobral. As paredes da Galeria Fayga Ostrower do Complexo Cultural da Funarte (ao lado da Torre de TV), acolhem as 12 telas de 2,37m de altura por 1m de largura, cada uma. Elas representam as mantas, isto é, a carne de pirarucu que ficava dependurada nos antigos açougues do mercado popular do Ver-o-Peso, em Belém. O miolo do espaço é preenchido pelas quatro urnas de cerâmica suspensas em estruturas de madeira. Os vasos foram confeccionados por um mestre artesão de Icoaraci, distrito situado a cerca de 20km do centro da cidade, a partir de um protótipo desenvolvido por Sobral.
Ver-o-Peso é uma oportunidade de apreciar uma estética expressionista com temática brasileira. ;A exposição é um encontro entre duas linhas de pesquisa;, explica Sobral. Enquanto as xilogravuras em grandes dimensões retratam uma cultura popular desaparecida, a escolha pela cerâmica valoriza um conhecimento tradicional, herdado dos ancestrais indígenas.
O Ver-o-Peso é considerado o maior mercado a céu aberto da América Latina. Construído em 1625, ele compõe uma série de construções históricas da área conhecida como Cidade Velha, em Belém. Sobral, que voltou a morar na cidade onde nasceu, passou a perceber a feira com o olhar de artista em 1997. ;Lá seus sentidos ficam em alerta, percorrê-la é um caminho tortuoso. Algumas informações nos sensibilizam e são elas que nos aproximam do espaço;, descreve.
Para reproduzir o impacto físico e emocional das mantas sobre o observador, o artista optou pela maximização das imagens. Já a dimensão lúdica do espaço é proporcionada pela disposição dos vasos, que deslocados do chão, permitem outros ângulos de visão em relação ao objeto.
Apesar de recriar a visualidade histórica de uma paisagem que ele tem como materna, Sobral garante que a obra adquiriu autonomia. ;O trabalho não precisa dizer de onde vem, porque ele é. Na contemplação, são exploradas as experiências de cada um. Essa é a magia da arte;, reflete.
Finalizada após mais de 10 anos de pesquisa, a exposição Ver-o-Peso é uma das vencedoras do Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2010 ; Ocupação dos Espaços Funarte. O concurso selecionou 15 projetos para ocupar os espaços da instituição no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, São Paulo e Brasília. ;Escolhi Brasília por ser uma oportunidade de apresentar o meu trabalho à cidade;, justificou o artista que expõe individualmente pela primeira vez na capital brasileira, onde morou durante um ano, em 1971.