O designer e produtor português Edgar Raposo, 37 anos, sabe que só encontra discos raros quem suja as mãos de poeira. ;O meu trabalho é na rua. Em Lisboa, onde moro, faço quase diariamente uma ronda pelas lojas de antiguidades, feiras do rolo, onde compro coisas para mim e outras para vender ou trocar.; Em uma visita rápida ao Musical Center, o mais tradicional sebo de discos de Brasília, o português levou o LP Batalhão de estranhos, da banda baiana Camisa de Vênus, um 78 rotações de Carmem Miranda e outro de Amália Rodrigues, expoente máxima do fado. O primeiro disco (que não chega a ser uma raridade) irá para a própria coleção, o segundo será trocado com um amigo ; ;Ele tem um compacto dos Shadow of Knight esperando por mim; ; e o terceiro será vendido para um colecionador fanático pelos discos da cantora portuguesa.
Antes de sair do estabelecimento, Edgar pergunta para a atendente se a loja não costuma receber compactos de bandas de Brasília dos anos 1960. A resposta, como ele já imaginava, é negativa. Sua esperança era conhecer grupos obscuros, que possam ter existido na cidade décadas atrás. Afinal, uma das vertentes que o português mais se interessa e tem pesquisado nos últimos tempos é a história secreta do rock brasileiro. Não à toa, seu selo, Groovie Records, lançou discos (de vinil) de bandas esquecidas (opa! quase esquecidas), como Baobás, Beat Boys, The Bubbles e A Bolha. Em breve, chegam da fábrica os LPs de Brazilian Bitles, The Out Casts e Serguei (ele mesmo).
Antes de investir nos nuggets (termo usado para se referir aos desconhecidos grupos de rock de garagem e psicodelia dos anos 1960 e começos dos 1970), a Groovie editou compactos e/ou LPs de bandas atuais brasileiras, como Autoramas, MQN, Black Needles, Uncle Butcher e Os Haxixins (esta última, um dos carros-chefes da editora musical, com dois LPs já esgotados). O lançamento mais recente do selo (o 31;) é um LP da banda mexicana Los Explosivos.
Trampolim
A relação de Edgar com o Brasil ficou mais próxima a partir de 2005 (ano de criação da Groovie), quando ele conheceu a hoje esposa, Flávia Diab. Brasiliense, ela foi apresentada ao futuro marido numa viagem de férias em Portugal pelo fotógrafo Patrick Grosner (bastante conhecido por seus cliques de bandas de Brasília nos anos 1990), com quem Edgar chegou a dividir um apartamento em Lisboa.
Com o namoro, o português aproximou-se ainda mais do Brasil e de sua música ; em especial, do rock feito no país. ;Minha relação com o rock brasileiro começou aos 14 anos, da mesma forma que com muitos outros portugueses: ouvindo Ratos de Porão e lendo a revista Animal, que também era distribuída em Portugal. A publicação tinha um suplemento que falava muito da cena underground brasileira. O lema da revista era ;feio, forte e formal;. Foi daí que surgiu meu codinome, Mau Amor;, conta.
Em suas diversas vindas ao Brasil, Edgar Raposo foi tendo contato com músicos, produtores, pesquisadores e colecionadores de discos. ;Fiquei amigo do Gabriel Thomaz, dos Autoramas, do Fabrício Nobre, do MQN, e que era da Monstro Discos, muita gente de São Paulo;, lista. Mas o trampolim para se aprofundar nas pesquisas a respeito do esquecido rock brasileiro foi a amizade com o jornalista e agitador cultural Fernando Rosa, o Senhor F. ;Tivemos empatia logo de cara. Acho que ele sabia que eu iria fazer alguma coisa com os cerca de 300 discos raros que ele me deu;, comenta Edgar.
E, de fato, ele encontrou uma finalidade nobre para o acervo que ganhou de presente. A Groovie acabou de lançar o primeiro volume da série Brazilian nuggets. O LP, com 18 faixas, tem desde Wanderlea e Eduardo Araújo (com músicas de pegada garageira e muita guitarra fuzz) até os obscuros The Blobs, Os Nativos, Lup e Loy e Os Espiões. A negociação para a liberação de uso das gravações é feita diretamente com as bandas. ;A maioria não é mais músico nem se importa. Dão autorização tranquilamente. Se eu não tenho autorização, eu não lanço. Sempre tento chegar ou à gravadora ou à banda;, ele explica.
Apesar de ter público garantido para esse tipo de lançamento (a maioria deles, na Europa), Edgar diz que a vendagem não é lucrativa. ;Para fazer os LPs, eu gasto um dinheiro que não sei se vou ter de volta, mas faço isso porque gosto;, garante.
Ouça música Cansado, do grupo Los explosivos - Groovie Records
Ouça música Pó da estrada, de Os Haxixins - Groovie Records