Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Paul McCartney desafia o tempo ao unir gerações com suas canções

Paulo Pestana - Especial para o Correio

Paul McCartney vem desafiando o tempo há décadas. Na última segunda-feira, quando se despediu do Brasil com um show impecável no estádio Engenhão, no Rio, ele uniu gerações e pareceu fazer o tempo parar. Houve quem contasse: foram 32 canções ; 20 delas retiradas do catálogo dos Beatles ; e uma garra incomum para um homem que pode ter tudo, tão rico e no limiar dos 70 anos.

Com mais de cinco décadas de palco, McCartney sabe a força dos clássicos, canções inoxidáveis ao desgaste do tempo, e fez uma bem temperada mistura com músicas que, se têm qualidade semelhante, não experimentam o mesmo impacto. Na despedida, ele alterou levemente a receita e deixou de lado o que fez mais recentemente para investir num passado que, como comprovaram as centenas de crianças presentes, não tem nada de nostálgico.

Ficaram de fora canções como Calico skies, Flaming pies e Only mama knows. Do projeto Fireman, só tocou Sing the changes. Do repertório clássico que vem tocando pelo mundo, ficaram de fora My love (afinal, ele vai se casar de novo e não fica bem ele tocar a música para sua ;gatinha; Linda, como disse em São Paulo), I;m down, Hello goodbye e Venus and Mars, entre outras.

Mas ninguém pode reclamar do fato de o show não ser interminável, embora ele vá permanecer fresco na cabeça de muitos presentes. Na plateia, havia um pouco de tudo, desde fãs jovens demais para estarem tão histéricas, até senhores de alguma idade, que procuravam cantar com a banda. Houve até quem se beliscasse, para acreditar que não era um sonho e que estava presenciando um desses cada vez mais raros momentos que o tempo não leva.

No final, é de se perguntar: que água McCartney bebe para se manter daquela maneira. Aliás, ele não bebe um gole sequer enquanto está no palco e mantém a fleuma até mesmo quando tira o paletó para deixar os suspensórios à mostra. Na despedida, movimentos estudados foram repetidos, como o cumprimento com dois dedinhos ao ótimo baterista-bufão Abe Laboriel Jr. a entrada das bandeiras britânica e brasileira, mas o público obrigou o velho roqueiro a fazer alguns improvisos que claramente o divertiram, como a catártica repetição do refrão onomatopaico de Mrs Vanderbilt ; ;Ho, hey, ho; ; , quando ele foi obrigado a acompanhar, até agradecer com mais um ;demais!”, uma das palavras em português que ele tinha num pequeno léxico colocado no chão do palco para que ele pudesse falar alguma coisa em português. Quase um ;carioca;, como ele mesmo disse.

Como qualquer superprodução, o show Up and coming é meticulosamente planejado, com a lista das canções preparada com antecedência para sincronia de luzes e projeções no palco. Mas os cinco músicos não deixam de mostrar um minuto sequer que formam uma banda de rock de verdade. Essa formação acompanha McCartney há mais de 10 anos, o que explica o impressionante entrosamento entre eles, que se divertem tanto quanto o patrão, com pequenas estrepolias.

Enfim, o Engenhão, estádio tão castigado pelo futebol, viu um clássico. Um não, uma fileira deles, comandada por um craque que se recusa a pendurar o contrabaixo Hoffner que o acompanha desde os shows de várzea. E o tempo que espere sua vez.