Um dia cinza, aquele 7 de fevereiro deste ano. Um incêndio acidental na Cidade do Samba, no Rio de Janeiro, destruiu os barracões das escolas Grande Rio, União da Ilha e Portela. Um ano inteiro de esforços para confeccionar fantasias, carros alegóricos e adereços de carnaval foi perdido em questão de minutos, faltando apenas um mês para a chegada dos desfiles. Era uma situação extrema. Mais uma enfrentada pelo portelense Hildemar Diniz, 77 anos. Esse carioca, no entanto, sabe se virar. Passou por muitos perrengues na vida antes de ficar eternizado pela alcunha de Monarco. A arma potente do veterano para curar todo mal? Colocar tudo num samba.
;Triste ou alegre, não importa. São coisas da vida;, desabafa Monarco durante passagem por Brasília, antes de subir ao palco com os parceiros Marquinhos (pandeiro), Guará (violão), Timbira (surdo) e Serginho Procópio (cavaquinho). Durante a conversa, ele não deixou de usar o gravador que registrava a entrevista como pandeiro para batuque. Na sexta, Monarco tocou na Academia Brasileira de Letras (ABL) e fez um tributo a Nelson Cavaquinho. No sábado, ele esteve no Viradão Carioca, na Quinta da Boa Vista. Nem sempre a agenda do mestre foi lotada de shows e viagens pelo Brasil.
Compositor desde a adolescência, fazia hinos em homenagem à escola do coração. Por muito tempo, as músicas ficavam conhecidas apenas pelos parceiros da azul e branco. Em 1973, enquanto lavava carros na frente ao Jornal do Brasil para sustentar a família, o compositor experimentou o sucesso na gravação de Tudo menos amor, por Martinho da Vila.
Muitos sambas depois, veio a tão sonhada consagração com a gravação de composições de sua autoria feitas por Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Paulinho da Viola e a caçula do grupo, a cantora Maria Rita, que emplacou o sucesso Coração em desalinho, na novela das 21h da Rede Globo, Insensato coração. Muitos desses intérpretes fizeram participações nas gravações do DVD Monarco, a memória do samba, que será lançado ainda este ano.
Mas, é mesmo o filho do mestre, o cavaquinista Mauro Diniz, o maior parceiro desse veterano do samba. Foi ao lado dele que Monarco cicatrizou a dor do incêndio que transformou tudo em cinzas na Portela, colocando toda a tristeza e a felicidade num samba que profetiza a vitória da Águia em 2012. ;O meu filho Mauro Diniz é meu parceiro agora, já que os meus parceiros antigos estão morrendo.
Nós compomos assim. ;A Portela espera que cada um saiba cumprir com seu dever/ A vontade impera e o portelense não se cansa de dizer que esse ano é o ano da consagração.;
Sucesso
; É uma felicidade muito grande ser reconhecido na rua. Antes tarde do que nunca. Eu ralei muito. Tinha um radialista no Rio que, quando tocava um samba meu, me chamava de injustiçado. A vida é assim mesmo. O Cartola morreu com 70 e poucos e foi gravar o primeiro disco dele com 60. O divino Cartola! Nem tenho palavras para descrevê-lo. Carlos Cachaça dizia que as coisas honestas neste país não dão Ibope. Palavra do meu parceiro. É assim mesmo. Tem muito valor bom escondido e muita mentira se dando bem. O que fazer? A mídia pega, faz e pronto. Mas, a verdade vem um dia.
Tristeza
; Já disseram para mim que meus sambas são tristes. O que é que tem? Tristeza é coisa da vida. Às vezes o samba é triste, mas vai alegrar o coração daquela criatura que está sofrendo muito em um mau momento. Se não tiver sentimento, não tem graça.
Divino Cartola
; Eu tive muita lição de Cartola nessa vida. Conversávamos muito. Falávamos horas e horas. Ele me citou numa notícia de jornal que eu nunca mais joguei fora. Um dia contei isso e ele disse que pregou na parede um pedaço de jornal em que o Carlos Drummond de Andrade o elogiava. Ele me falou uma vez que gostava mais de O mundo é um moinho (que ele compôs para a filha dele) do que de As rosas não falam. Isso eu digo com toda verdade. Ele disse isso para mim.
Descompasso
; Há muitos garotos compondo, mas eles estão mais interessados no samba enredo. Não falam sobre o outro lado da vida. O lado das desilusões amorosas, o cotidiano, a natureza e se esqueceram de enaltecer a Portela. Está faltando essa criação. A bem dizer, estão vivendo mais do samba antigo e não estão criando quase nada. Está todo mundo cantando durante o carnaval e chega na quarta-feira ninguém se lembra de mais nada. É pobre a letra, pobre a melodia. Aquele negócio manjado. Para onde nós vamos com isso? Não sei.
Sentimento
; O samba que sai do coração é o verdadeiro. É a criação do artista. Não é o encomendado. Fazer samba enredo é uma espécie de encomenda. Não é uma coisa que vem do coração. Isso é que é o bonito. O samba não vem do morro, nem da cidade. Ele vem do coração.
Zeca Pagodinho
; Eu gosto do Zeca como se fosse um filho. Quando ele era criança e me via no ônibus, pedia para o motorista deixá-lo subir. Ele ia até Madureira me pentelhando. Me adora. A fidelidade dele fez com que ele esteja onde está hoje. Queriam que ele gravasse música de gente fora da turma. Ele sempre bateu pé e falou que só gravava a rapaziada dele. Não adianta, ninguém se mete no repertório do Zeca. A fidelidade dele a essa raiz é infinita.