Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

DJ brasiliense ganha destaque na noite da cidade


O nome de batismo é Sandro, mas o menino loirinho que corria pelos corredores da casa despertava na avó o doce apelido de Biondo (loiro em italiano). Ele cresceu afeito às artes. Tentou ser ator, mas viu que era canastrão demais para o ofício. Com olhos atentos, devorava tudo que via pela frente. Cinema, artes cênicas, visuais e música, muita música. Até que um dia, resolveu agitar uma pista de dança no Rio. Fez sucesso entre os brincantes e, hoje, é autor de duas badaladas festas da cidade, Kinda e Mafuá. Sandro Farias, ou melhor DJ Biondo como preferia a nona, revela-se como um dos mais promissores artistas da noite, que, sem fronteiras, chega ao palcos, assinando a trilha sonora da montagem Eros Impuro, em cartaz até hoje, às 20h, no Teatro Goldoni.

Você precisou sair de Brasília para ;acontecer; como DJ. Como foi isso?
Tudo começou com uma situação de adversidade. Fui para o Rio de Janeiro sem emprego. Tinha passado num concurso público e estava esperando a nomeação, que não vinha. Minha aproximação com a pista de dança foi em Brasília, porque eu tive um café e um amigo me pediu para criar um espaço de música. Então, lá no Rio, descobri uma boate, Antonieta, frequentada por artistas, tudo meio escondido por conta dos paparazzi. O dono era um produtor de elenco da Globo e o local, um antigo cabaré. Comecei a frequentar e, na cara dura, pedi para tocar. Ele me deu uma noite, sem cachê, e gostou. Daí, o DJ residente viajou para Paris e acabei ficando no lugar dele. Nesse intervalo, fiz um curso de música eletrônica e continuei trabalhando até que a casa fechou. Então, fui tocar em outros lugares.

Lá no Rio, frequentando e tocando na noite, você comparou com o que ocorria em Brasília?
Nunca tive a ilusão de que o Rio é tudo. A noite carioca, aliás, é uma grande fraude, é meio capenga. O Rio é dia e nada pode ser comparado a São Paulo, por sua diversidade de propostas. O Rio não oferece muito mais opções interessantes quanto Brasília. Eu estava lá pela oportunidade e não pela diferença com Brasília. O Rio foi um grande bico para mim.

Como surgiu a ideia de ocupar a noite brasiliense com projetos diferenciados?
Como frequentador, eu tinha a sensação de que as festas eram muito iguais, guetificadas. Havia a balada do playboy, do gay, do adolescente. Os gays, então, estavam separados. E isso é uma coisa datada e antiga. Então, eu sempre sonhei em ter uma festa onde as pessoas pudessem conviver bem. Uma noite sem guetos.

A festa Kinda acabou com o gueto?
A Kinda acabou com um senso de colonização, de achar que só existe festa sofisticada no Rio e em São Paulo. Encontrei um lugar bonito, bem localizado e central, que é a boate Heat (atual Glow, no Setor de Diversões Norte). E esse público gay estava no gueto, indo para festas nos setores de garagem, de oficinas, de abastecimento. Todas em áreas escondidas. Então, apostei numa festa de convivência, com música que não é nem bate-cabelo (house tribal) nem o pop chiclete das divas das paradas de sucesso.

Quando a Kinda bombou, você sofreu alguma espécie de rejeição por outros profissionais da noite?
Eu senti que existe a competição da noite. Você ouve muitas histórias de puxadas de tapete e de outras coisas mais pesadas. Mas não sofri diretamente nenhuma antipatia ou retaliação. Até porque o projeto começou pequeno, para 150 pessoas. Depois, cresceu para 400. Agora, está numa curva de 300 a 350, o que é ótimo porque não tenho vontade alguma de virar um industrial da noite.

Você tem um estilo diferenciado e traz coisas inéditas para a pista. Qual é a sua formação como DJ?
Aprendi mais como espectador e frequentador do que como produtor. A Kinda não pode ser feita para uma multidão e isso é fundamental para manter o padrão. A música que toca é mais difícil, menos palatável. Não que eu não faça música comercial, eu até faço, mas aqui e acolá. Só toquei Lady Gaga porque estava no comando de uma festa desse perfil. Mas fujo da obviedade desse pop.

No início dos anos 2000, Brasília foi apontada como a capital da música eletrônica. Como está esse mercado agora?
Como toda onda que um dia passa, o que fica é mais interessante. Não faço música eletrônica de laboratório. Faço música mixada do pop de qualidade, de bandas de Londres. Busco os remixes dessas bandas. Mas eu não produzo. Sou um pesquisador musical, esse é meu barato. Eu compro as músicas de sites internacionais por uma questão ética e de qualidade. Isso depois de horas de pesquisa.

Sua ligação com a arte está evidente no novo projeto, a festa Mafuá?
Sempre tive ligação com as artes cênicas. Fui aluno da UnB e deixei porque percebi que sou um ator canastrão. Na noite, eu gosto de levar uma alegria com conteúdo, com toque artístico. A Kinda é esteticamente bonita, mas a Mafuá é uma grande alegria. Sempre gostei de música brasileira, sempre achei um que a ela merecia um espaço privilegiado nas pistas. Vejo isso quando toco Maria Bethânia e todo mundo dança.

É verdade que desde jovem você tem um olhar crítico apurado? Saía de um filme e de uma peça e queria discutir o que viu?
Tudo é referência, é antropofagia. Você pega, transmuta e cria. A Mafuá é um neomanisfesto tropicalista. A gente não cria nada, mas salpica de referências: com a do carnaval carioca e a galera do bloco Suvaco da Asa, com o carnaval pernambucano, nós nos juntamos para criar esse caldeirão, que na última edição da festa acabou numa ciranda.

A trilha sonora para teatro é o seu novo campo de trabalho?
É tudo novo. O convite para a peça Eros Impuro foi inusitado, mas aceitei. Foi uma experiência gostosa de fazer. Vejo que o trabalho de criação entre DJ e trilheiro é casado. Posso fazer uma apropriação de uma trilha sonora, pensando em criar um ambiente para a pista de dança.

Qual é a diferença entre o DJ brasileiro e o estrangeiro?
A diferença está no que a gente traz do berço de criação, do ambiente, do espaço público. A gente tem uma negritude, que é inerente e independe da cor da pele. Os estrangeiros, quando ouvem a gente, sentem-se impressionados pela batida da percussão, pelo molejo, pelo suingue brasileiro e negro, que está no sangue, quase genético, ancestral.

Hoje, os DJs fazem shows em estádios. Isso é o fim dos concertos de rock?
Uma coisa não elimina a outra. O show da Madonna foi aberto por um DJ. É preciso casar as coisas porque nada substitui o ao vivo, a banda, a performance. É para isso que as pessoas vão aos shows. O DJ faz o som sintetizado, no quadrado. Ele não tem um leque muito amplo como o som ao vivo.

Você acha um exagero a severidade da Lei do Silêncio?
Acho complicado tudo isso, porque Brasília é tombada e muito particular, com áreas residenciais e comerciais integradas. Penso na pessoa que quer dormir, mas, no fim de semana, é preciso ser mais tolerante, porque a imposição sufoca a criação da cidade. É preciso dormir, mas é preciso pensar que a noite movimenta um setor da nossa economia.

Todo mundo pode ser DJ?
Pode, sim. Ser DJ é uma profissão tão técnica quanto ser costureira ou chef de cozinha. Todo mundo tem vontade de mostrar ao outro o que acha legal. E a gente oferece esse cardápio musical.