São Paulo ; ;Eu sou um homem sério;, defendeu o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, diante da dúvida do jornalista, escritor e macho de carteirinha Xico Sá, durante palestra, anteontem, no 3; Congresso Internacional de Jornalismo Cultural. ;É verdade que o senhor foi gigolô? Gostaria de saber qual é a semelhança entre o jornalismo e a cafetinagem;, perguntou o nordestino, sobre um dos mitos envolvendo o escritor marginal de Cuba. Gutiérrez tem um semblante sério, mas é um feroz defensor do humor na literatura. ;O mais importante na vida é a brincadeira, o bom humor. Julio Córtazar e Franz Kafka, dois autores que admiro, brincam em suas obras;, discorreu.
Pedro Juan Gutierréz experimenta hoje uma fase de tranquilidade após uma trajetória conturbada vivida em seu país natal durante os processos da revolução e decadência do regime socialista na ilha de Fidel. Atuando como jornalista e escritor, ele transpôs, para o papel, uma espécie de consciência cubana, centrando as narrativas na decadência do centro histórico de Havana e no uso de narrativas realistas. ;Era a época mais forte da crise econômica cubana em 1991. O muro de Berlim havia caído em 1989. Eu estava muito mal, com astral baixo, vivia bêbado mesmo. Passava fome e necessidade. Tinha desordem na minha vida, com promiscuidade e esses personagens estavam comigo há tempo. Até que não aguentei mais e comecei a escrever compulsivamente com raiva, fúria, rancor. Terminei em 52 dias;, relembra sobre o processo de O rei de Havana.
Os personagens extraídos, vindos sempre da vida real, habitam um mundo sujo, onde o sexo é praticado sem culpa. ;Não somos caracóis. Somos mamíferos e fazemos sexo;, sugere o amante de várias mulheres. A narrativa pornográfica do autor da Trilogia suja de Havana é uma das principais marcas do poeta e ficcionista, mas é também um estigma. ;Simplifiquei a gramática espanhola que é sempre muito complicada. Em Cuba, nem perceberam que faço isso porque estão prestando atenção na questão do sexo;, constata.
Há também espaço para a inversão. Às vezes, os personagens assumem o controle do escritor. ;A escritura é um mistério. Eu queria matar Pedro Juan. Queria matar esse personagem. Estou tentando, mas ele volta a aparecer. Nessa novela que estou escrevendo agora ele vai aparecer e concentrar a atenção dos outros personagens;, adiantou.
Gutierréz decidiu ser escritor aos 18 anos. Só publicou aos 44. Hoje, aos 61, prepara uma obra sobre um cubano que decide morar na Espanha. De novo, usando dados autobiográficos como combustível para sua literatura. ;A vida me leva. Madri é minha segunda cidade. Havana me marcou. Matanzas também. São cidades que me vou apossando delas. Eu sempre me mudei muito. Depois pensei: ;Por que me mudo tanto? Agora vivo com um amor num lugar, muito, muito tranquilo e que fica a 20 minutos de La Ursa, a cidade natal do meu avô;, localiza.
Da literatura brasileira, o cubano reserva espaço na prateleira para Rubem Fonseca, Paulo Lins (de quem virou amigo pessoal) e Clarice Lispector ;mas em pequenas doses;. O autor que já escreveu sobre o México e parte da Europa (Animal tropical) dispensa, por enquanto, um livro sobre o Brasil.