Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Amigas decidem retomar carreira artística em peça teatral

Amigas e companheiras de palco e da vida, as atrizes Odila Athayde e Solange Cianni têm muito em comum. As duas começaram as carreiras na dança, migraram para o teatro, dividiram os tablados em diversas produções e deram uma pausa na atuação para se dedicar a outros projetos. Neste ano, as duas decidiram retomar à rotina artística. E voltaram juntas à cena, na peça A vizinha de Antônio, que cumpre temporada até domingo, no Teatro Sesc Sílvio Barbato. O Correio conversou com as duas sobre as dores e delícias de voltar à cena

Como você começaram a carreira nos palcos?
Solange ; Sou do Rio e cheguei em Brasília em 1972. Estudei no Colégio Pré Universitário, que tinha oficinas de Artes. Desde menina, já dançava balé clássico e contemporâneo e resolvi somar. Havia oficinas, experimentações, laboratórios, estudos de texto e assim eu comecei. Trabalhei com Dimer Monteiro, Fernando Villar, Hugo Rodas, nos tempos do Pitu. Inauguramos o Teatro Dulcina, com a peça Gota D;água. Depois, fiquei um tempo no Rio e fiz alguns trabalhos. Assim que voltei pra Brasília, o Fernando Villar estava despontando, com a peça Você tem uma caneta azul pra prova? Depois, quando fez Vidas Erradas, me convidou pra participar como atriz.

Odila ; Eu era bailarina, fiz jornalismo e audiovisual na Universidade de Brasília, mas participava de espetáculos como Asas e eixos e Veja você, Brasília, com o Oswaldo Montenegro. Como eu era do Endança, a gente ajudava na coreografia. Quando vi Quem tem uma caneta azul pra prova? me apaixonei. Me apresentei pra o Fernando Villar e começamos nosso amor fraternal. Com ele, fiz espetáculos maravilhosos, como João e Maria, fiz Caso Greta e, por essa peça, ganhei prêmio destaque de atriz da Fundação Cultural.

Por que a decisão de parar?
Solange ; Sou pedagoga, diretora de uma escola e fiz a opção em algum momento de me dedicar à área da educação. Lógico que eu incluí a experiência na minha proposta pedagógica. A arte tem um espaço aberto de criação, mas tem componente bonito da disciplina. Fiz essa opção, é muito difícil viver de teatro e dança, especialmente em Brasília. Sou mãe de quatro filhos e sei que a educação também é uma área difícil, mas, com muita dedicação, ela me proporcionou mais conforto pra criar meus filhos


Odila ; Fui morar no Rio, tive uma loja de material de dança, fui gerente de um restaurante. Atuei em uma peça infantil, A Vaca Lelé, e alguns trabalhos institucionais. Depois, tive minha filha. Atuei como produtora cultural no projeto Temporadas Populares, trabalhei na Funarte e no Ministério da Cultura.

E a retomada da carreira, como foi?
Odila ; Há dois meses, tocou o telefone. Era William Ferreira (o diretor) perguntando se eu queria fazer a peça. Comecei a rir, perguntei se ele tinha certeza. Li o texto. William me seduziu e a Carmen Moretzsohn disse que ele era ótimo, que eu adoraria trabalhar com ele. Aceitei.

Solange ; Os amigos sempre me perguntavam quando eu voltaria e eu dizia que o teatro tinha ficado pra trás. Realmente, tinha eliminado o teatro da minha cabeça, o tempo passa e a memória fica comprometida. Até que Chico Sant;Anna disse que estavam procurando uma atriz com meu perfil. Eu e Odila estávamos juntas em uma festa e Odila me disse que ia. Depois de ler o texto, cinco semanas antes da estreia, ela me ligou convidando. Eu disse: ;Odila, meu bem, não volto pra teatro não. Não decoro nem telefone de marido.; Ela me convenceu dizendo que meu filho caçula está saindo de casa, eu sou muito apegada e vou ter que me ocupar. Li o texto e fiquei.

Há dificuldades em voltar aos palcos depois de tanto tempo?
Solange ; Um dia depois de decidir fazer a peça, tive crise de pânico. Queria saber como dizer que não ficaria, o que eu tinha inventado, queria desistir. Fui à terapia, trabalhei na acupuntura meus pontos de medo e Odila também ajudou. Disse: ;Vamos nos divertir.; Sou muito séria e perfeccionista em tudo que faço. Viajei no carnaval com a família e acordava às 6h30 da manhã para decorar texto. Deu certo, tomei vitamina pra memória e me senti desenferrujando na segunda semana de palco.

Odila ; É mais difícil decorar o texto, mas quanto mais se pratica, mais flui. Na segunda semana depois da estreia, tive febre, o corpo gritou, mas tudo foi superado. Minha filha também quis muito que eu voltasse, nunca tinha me visto no palco, então me ajudou no texto. Somos o contraponto do drama, falamos muitas coisas engraçadas e isso, para os nossos filhos e familiares, é divertido. Estamos gostando de fazer o público rir.

Atuar agora traz uma sensação diferente de antigamente? O que mudou?
Odila ; Agora tenho menos pudor e preocupação com a autoimagem. A vida vai ensinando que o ator tem que se jogar mais, ser despido de vaidade.

Solange ; Emprestar o corpo, na maturidade, é muito interessante, porque a gente tem instrumentos para a personagem.

A volta é pra valer?
Odila ; Não estou fazendo como hobby, estou realmente voltando. É o que gosto de fazer. Sou produtora cultural, não tenho projetos para atuar depois dessa peça, mas gostaria de continuar.

Solange ; Tenho anotações sobre o universo feminino e estou pensando em botar isso no formato de teatro. Se for para falar de coisas que eu gosto, tenho interesse em continuar. Principalmente se houver humor.

A VIZINHA DE ANTÔNIO
Direção de William Ferreira para texto de Antônio Gerin. Com Narciza Leão, Odila Athayde e Solange Cianni. Hoje a amanhã, às 20; domingo, às 19h. no Teatro Sesc Sílvio Barbato (Setor Comercial Sul, Qd. 2). Ingressos R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.