O DJ e pesquisador musical Pedro Tapajós é um dos pioneiros do tronco da música eletrônica em Brasília. A carreira iniciada em 1987 foi desenvolvida ao lado do também DJ André Costa. Juntos, eles formavam a dupla Isn;t The Six. Mesmo sem nenhuma grande intenção, os dois participaram de uma revolução na noite da cidade. Isto também vale para a drag queen Allice Bombom, que já completa 15 anos de atuação em shows performáticos em boates e casas noturnas da cidade. ;Uma característica do movimento da música eletrônica é ser democrático e incorporar minorias. Eu acho que, com a multiplicação da comunicação de massa e a importação de valores de outros países, o Brasil se abriu para vários tipos de influências musicais, estéticas novas e discursos novos. Entre elas, as sexuais;, analisa Tapajós.
Ultrainseridos ou não na cultura homossexual feita em Brasília, Tapajós e Allice foram detectados numa amostragem da cultura LGBT tocada pela ONG Somos, de Porto Alegre, ligada ao Pontão de Cultura LGBT do Ministério da Cultura (MinC). Em abril, Sandro Ka e Isabela Parise estiveram na cidade em verdadeira missão de bandeirantes modernos. Munidos de aparelhos de gravação e disposição para conversar com muita gente, eles fizeram o trabalho de descobrimento de profissionais de vários tipos de arte que colocam a homossexualidade em evidência.
Daqui, os pesquisadores mandaram pela internet, as primeiras impressões do que encontraram. ;A cena underground é um respiro dentro do deserto de concreto da cidade inventada. Uma solução para sobreviver a uma estética e a um jeito de funcionar que se impõem a todo instante. Brasília traz uma consistência notável na cena alternativa, que já mostra seus representantes desde a década de 1980;, escreveram os pesquisadores no blog do projeto http://somos.org.br/mapeamento/, após a estada aqui.
O trabalho de mapeamento nacional foi iniciado em 2 de fevereiro. Começou por Santa Catarina e até agora já visitou estados das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e parte do Nordeste. A pesquisa registrou depoimentos de artistas e produtores para saber quem são e o que querem os artistas que se dedicam a essa temática. ;Em Brasília, onde se espera a rigidez, a gente viu suavidade. A arquitetura tem condicionamentos muito retos e as manifestações fogem desse arranjo. São outras formas de vivenciar o lugar e as pessoas. A referência ao underground e a reinvenção são muito fortes. Acho que isso acontece porque a cidade já nasceu urbana;, analisa o gaúcho Sandro Ka, um dos pesquisadores. O resultado do mapeamento será publicado em forma de catálogo e um documentário deve ser lançado no ano que vem. Aqui, o Correio apresenta alguns exemplos de artistas, de várias áreas.
Cinema
Um casal adolescente decide fugir de casa para viver livremente o namoro homossexual. Duduzinho é uma ;biba; enquanto Pedro não dá a menor pinta. A ;grande escapada; resvala em fiasco assim que a mãe dos dois percebem a fuga. As fugitivas, de Otávio Chamorro é uma comédia assumidamente contrária ao uso do politicamente correto. Ganhou um prêmio de melhor roteiro no Festival Mix Brasil e participou de outras mostras em Londres, Espanha, Argentina e Uruguai. ;Os roteiros que eu tenho escrito têm sido explícitos sim. Não existe o questionamento inicial da adolescência. São personagens bem resolvidos. Uso o naturalismo;, classifica Chamorro, diretor e roteirista. Na lista dos filmes ;por fazer; do cineasta formado na Universidade de Brasília (UnB) está outro curta-metragem, As caroneiras (ainda em fase de captação, protagonizado por um casal lésbico), e um outro roteiro dedicado a uma travesti.
Transformismo
Para manter o estilo caríssimo de uma drag queen sem escorregar do salto, Allice (com dois eles porque ela é chique) precisou aprender sobre o preparo de chocolates. Os bombons vendidos em bares e restaurantes da cidade renderam o sobrenome Bombom. Allice Bombom é praticamente uma entidade da noite brasiliense e precisa se desdobrar em várias. É locutora de rádio, anima festas e ataca de DJ. Com 15 anos de carreira é uma veterana que já sente os passos serem seguidos. ;Adoro quando me imitam. Mas, é complicado ser drag em Brasília. O custo é muito alto. Muitas desistem porque é financeiramente muito difícil;, contabiliza. Depois de tanto tempo na lida, Allice se ressente apenas da ausência de um sindicato da categoria em Brasília. ;Em grupo é melhor conseguir levar adiante nossas reivindicações;, analisa.
Música
; Os versos escrachados do grupo Sapabonde tanto podem animar quanto espantar. Depende da preferência de cada fatia do público. As meninas cantoras de funk lésbico não têm papas na língua para falar sobre sexo entre duas mulheres. ;As letras fluíram naturalmente. Já recebemos críticas. Alguns dizem que somos heteronormativas, meio machistas. É um ponto de vista. As pessoas interpretam da maneira que quiserem;, explica Mari Versátil. O grupo formado há dois anos por oito amigas é um hit de internet com letras sobre o corpo feminino. Elas já se apresentaram ao lado do DJ João Brasil no projeto Sai na rede do Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília em janeiro deste ano e em boates GLS daqui e do Rio de Janeiro.
Teatro
Nem mesmo o ator, dramaturgo, escritor e diretor Alexandre Ribondi consegue precisar o número de espetáculos teatrais de sua autoria em que a homossexualidade está presente. Logo na estreia nos anos 1970, em Filó brasiliense havia um personagem homossexual no meio de uma família brasiliense. Depois vieram Crepe Suzete (1980), Abigail é mais velha que Procópio, No verão de 62, O descobrimento de Américo e, mais recentemente, a trilogia Virilhas. A primeira montagem deste espetáculo era protagonizada por um casal de homens em conflito amoroso. Na segunda vez que levou a peça para os palcos, duas mulheres estavam em cena. Por fim, o texto será encenado por um homem e uma mulher (ainda não há previsão de estreia). Em nenhuma das adaptações, o texto foi modificado. ;Não trata da questão sexual, trata da questão de afeto. Tenho de ir contra a corrente moderna que pensa o homossexual como um ser diferente. Não há diferença quando se trata de sofrer por amor. As situações são idênticas, os argumentos são os mesmos e a dor é a mesma. Não há nada que justifique essa premissa;, defende Ribondi. Ele também publicou os livros gays Da vida dos pássaros e Na companhia dos homens.