Caroline Simonds está danada de contente. Há pouco mais de 20 dias, inaugurou a primeira aula de sua escola de clowns. Durante os últimos meses, passou horas entrevistando mais de 50 candidatos para escolher os 12 alunos aptos a cursar as aulas. Os escolhidos já são clowns com alguma experiência. Agora vão aprender a fazer as trapalhadas em hospitais, para crianças internadas e em situação de extrema fragilidade. O sorriso de Caroline se estampa porque essa será a primeira escola da França destinada a especializar palhaços na arte de atuar em ambientes delicados. É fruto de trabalho de duas décadas e, na prática, é executado pela Dra. Girafa.
Foi fácil se identificar com o animal. Caroline tem 1,90m, pernas compridas e braços longos. Mais fácil ainda foi associar o qualificativo de doutora ao nome Girafa. Aconteceu lá pelos anos 1980, quando se desencantou com o teatro de rua e sentiu um comichão lá dentro do cérebro ao entrar num hospital ocupado por uma gangue de clowns em Nova York. A trupe começava um trabalho pioneiro com a intenção de participar do tratamento de crianças hospitalizadas e Caroline fez uma audição dentro de uma UTI. Durante o teste, uma garotinha acordou depois de cirurgia de transplante de coração e a Dra. Girafa nasceu ao ver o esboço de um sorriso na cara da criança.
Caroline participou dos primeiros passos da iniciativa, hoje bastante difundida na França, nos Estados Unidos e até no Brasil, em que os Doutores da Alegria atuam em hospitais do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Belo Horizonte. Na última semana, a palhaça percorreu hospitais brasilienses com os companheiros do Doutores do Riso antes de realizar palestra na Funarte para o público do FestClown. Norte-americana radicada na França, ela tem energia de sobra para uma girafa. Nas recomendações feitas à Embaixada da França, ao aceitar o convite para vir ao Brasil, Caroline vetou qualquer reunião ou encontro administrativo. Queria ir a campo, estar no terreno, fazer rir ou ensinar como fazê-lo. É um compromisso.
Trabalhar com crianças em situação hospitalar implica ter limites bem conhecidos, estrutura forte e, sobretudo, apego. ;O mais importante para uma criança doente é que ela se sinta criança, que possa brincar. E não é um objeto que o fará rir, é uma pessoa;, acredita a clown. Quando deu o primeiro pontapé para o que se tornaria a trupe Le rire médecin, ela precisou de um bom discurso, seguro e amarrado, para convencer as equipes dos hospitais da necessidade do trabalho. O riso pode ajudar no tratamento, mas antes disso funciona também como um instrumento de humanização de ambientes raramente projetados para a ocupação infantil.
Dificuldades
Os médicos reclamavam da presença dos colwns: eles incomodavam o tratamento e a seriedade supostamente essencial ao bom andamento da dinâmica hospitalar. Caroline os convenceu do contrário e só sossegou quando ouviu de um médico: ;No dia em que você não me incomodar estará na hora de ir embora;. Dois meses depois, o doutor entrara no jogo ao explicar: ;Um clown não serve para nada e é por isso que é essencial;. Hoje, a demanda virou um problema. Dra. Girafa e equipe têm dificuldades em atender aos pedidos de visitas. O grupo de 87 clowns desenvolve programas em 15 hospitais de toda a França e chega a visitar média de 300 crianças por dia. Mas está no limite. Caroline não quer transformar a coisa em algo fora de controle e tem pavor de pensar em qualquer programa parecido com produção em série.
;Sou uma sessentaeoitista;, avisa, para tentar justificar as constantes críticas à maneira como o ;capitalismo; é capaz de pautar as relações entre as pessoas. A clown não estava em Paris em maio de 1968. Chegou em 1969, para estudar e, em 1971, estava de volta aos Estados Unidos, cheia de ideias mágicas sobre o teatro. ;Fiz a escolha de ficar na rua. Para mim, o teatro mais bonito do mundo deveria ser oferecido. Na minha cabecinha de 21 anos, deveria ser subvencionado. Então passei 10 ou 15 anos fazendo isso.; Caroline é comediante de nascimento. Até tentou burlar a lei da natureza. Começou a estudar medicina e desistiu ao descobrir ser totalmente inábil para anunciar notícias trágicas. Foi ser médica de outro jeito. Se puder curar uma alminha, por um único segundo, fica feliz da vida.