O magnetismo alcançado com a projeção de Oceanos ; com trechos da vida de cerca de 80 espécies marítimas, saídas de duas centenas captadas pelas lentes dos cineastas Jacques Perrin e Jacques Cluzaud ; não poderia ter outro fundamento: só com a intensa dedicação de quatro anos e meio de filmagens é que a obra se materializou. O resultado pode ser conferido na cidade, em sessão especial, às 14h, no Cinemark Pier 6. ;Desprezamos imagens duvidosas, ainda que registrassem peculiaridades nunca vistas. Queríamos dividir o senso de intimidade da natureza com a plateia. Foi a formação do elo com a emoção direta, a partir daquilo que os animais nos repassam;, conta Cluzaud.
Aos 58 anos, ele, que, ao lado do parceiro Perrin (astro também de filmes como Cinema Paradiso e Z), já teve indicação ao Oscar de melhor documentário (por Migração alada, em 2003), agiu com a sabedoria de adotar o ponto de vista dos animais para o filme, que teve coprodução da Disney e de redes internacionais de televisões. Sendo assim, o papel da observação, por vezes, se alternava entre bichos e seres humanos, pela absoluta integração com os animais. Montado ao longo de um ano, com o leque de 480 horas de gravações para um produto final com pouco mais de uma hora e meia de duração, Oceanos absorveu a dedicação de 400 profissionais. ;Há filmes que precisam ser feitos, como enfatizava Perrin, que também foi produtor da fita. ;Podemos ir sempre adiante; era o lema;, conta Cluzaud. Com 70 expedições, que alcançaram 45 localidades entre o Ártico e a Antártida, a impressão é de missão cumprida.
;O segredo é a paciência de estar presente quando algo extraordinário vier a acontecer. É duro captar, com imagens sem trepidação, um golfinho que atinge cerca de 40 quilômetros por hora. Evitamos perturbar os animais. Segui-los sem limite, indispostos à cumplicidade, não resultaria em nada positivo. Eles tiveram que se interessar pela câmera, para que as lentes se apropriassem dessa disposição;, explica Jacques Cluzaud. O fascínio serviu como bússola, diante do esplendor natural: sem adulterações gráficas, após as filmagens ; exceto em trecho em que algumas imagens foram desaceleradas (a fim de melhor captar detalhes) ;, Oceanos propõe o estímulo à sensibilidade do espectador.
;Queríamos que os animais se comunicassem com a plateia, de forma direta, sem explicações narrativas. Daí, usarmos tecnologias inéditas. A reciclagem de ar para os câmeras foi feita sem borbulhas ou barulho, com a finalidade da completa integração. A orientação era: pense grande, e esqueça a televisão.
Faça, nem que seja somente uma imagem, mas que ela seja irretocável;, comenta o cineasta. A minúcia, por sinal, se desdobrou no uso de microcâmeras (acopladas a mini-helicópteros) e no diferencial da captura de som subaquático, com hidrofones de alcance preciso. Recriado, apenas quando inviabilizado pela multiplicação (em cena) dos seres marinhos, o som deu base à trilha sonora a cargo de Bruno Coulais.
Longe da denúncia
Jacques Cluzaud, que já teve produtivas experiências no ramo da ficção (caso de Indochina, em que foi diretor assistente para a fita estrelada por Catherine Deneuve), conta que, em Oceanos, ;tudo está na mais absoluta integridade;. Isso, ressalvada a exceção para as breves cenas das matanças de animais que foram encenadas. Como parte dos cientistas, mergulhadores e técnicos do longa integraram produções capitaneadas pelo oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau, por extensão, o diretor morto há 13 anos influenciou o produto final. A mensagem de alcance ecológico se dá, de modo direto, por imagens desconcertantes como as das tomadas feitas com um mergulhador encostado num tubarão.
;Acreditamos que seja por meio do sentimento, e não da denúncia, que as pessoas passem à mobilização;, explica o diretor.
Com roteiro (praticamente uma rota turística) urdido por dois anos, Oceanos ; que mostra a diversidade, sem o panfleto contra a matança dos animais ; resultou do abandono de um pretendido filme de ficção. ;Notamos, porém, que tudo o que gostaríamos de contar não estava no roteiro. Passamos à pretensão de captar os animais como se fossem atores. Queríamos saber como eles nos veem e como se movem. Uma baleia, por exemplo, foi nossa grande atriz, ao longo de um ano.
Ela era destemida em relação à nossa interferência;, relembra o diretor. Persistir ; ;ano a ano, ainda que, no mesmo cenário, os acontecimentos não viessem a se repetir; ; foi uma meta, de fato, sem preço: ;Posso errar por milhões, ao falar do orçamento;, conclui Jacques Cluzaud. Vale lembrar que Oceanos teve imagens capturadas e complementadas, ao longo de quatro anos.