Bem no começo, quando havia apenas um punhado de canções num gravador portátil, a estratégia de Merrill Garbus era só uma: sobreviver. ;Chame atenção ou morra;, lembra a cantora americana, em entrevista ao jornal Village voice. Aprendeu, logo nos primeiros shows, que o público precisa ser ganho no susto, antes que pense duas vezes, nos primeiros cinco minutos da performance.
O desejo de se fazer notar aparece já no nome do projeto da compositora, escrito num zigue-zague de letras maiúsculas e minúsculas: tUnE-yArDs. ;Para mim era muito simples: se as pessoas não parassem imediatamente para ouvir a minha música, eu seria ignorada e não receberia gorjetas;, explicou.
Essa aflição quase adolescente aparece no estilo de Garbus. No palco, ela usa pedais para improvisar loops de bateria, que adensam camadas de vozes, baixo e ukulele. Na hora de gravar discos, trata os recursos disponíveis (às vezes, quase nenhum) como brinquedinhos coloridos, daqueles que hipnotizam crianças pequenas. Feito de matéria reluzente, o segundo álbum da compositora não há de deixar ninguém apático: aterrissa feito um objeto (de plástico) não catalogado.
O sortido whokill, que marca o estreia do tUnE-yArDs no selo indie 4AD Records (casa de Bon Iver, Deerhunter e The National), brinca de ser tudo ao mesmo tempo: rock, R, folk afro-pop e funk. Selvageria e suavidade. Para o ouvinte menos amedrontado, uma montanha-russa das boas. Também é o trabalho mais ;profissional; de Garbus, cuja estreia foi gravada dentro do quarto, numa casa de Montreal. ;As pessoas pedem para que os discos pareçam com meus shows. Mas fui teimosa, quis me rebelar e entrei num estúdio de verdade, com um engenheiro de verdade e microfones de verdade;, contou ao site Pitchfork.
A nova encarnação de Garbus provocou mais euforia que surpresa na ;indielândia;. Com alto índice de elogios (na Pitchfork, sim, e também em publicações como a Rolling Stone e a inglesa New Musical Express), o disco eleva a cantora ao clube das principais apostas de 2011. Para quem começou a carreira se apresentando no metrô de Montreal, é um salto de longa distância. Depois de se mudar para a ensolarada Oakland, na Califórnia, ela esbarrou numa sonoridade mais verdejante, que tem sabor de estranheza e cheiro do pop mais acessível, daquele que se canta a plenos pulmões.
;Do it yourself;
Produtora dos próprios discos, Garbus faz parte de uma geração que atualiza a política do ;faça você mesmo;, batizada em meio aos rumores do punk setentista. Como acontece na arte de Ariel Pink e do Times New Viking, por exemplo, ninguém mexe na carpintaria da cantora. Quando muito, ela permite acesso a um baixista (Nate Brenner, que coescreveu algumas das faixas novas) e a um engenheiro de som. Para quem ouve o disco, no entanto, a sensação é de que Garbus se deixa acompanhar por um mutirão de instrumentistas. Ilusão.
A obsessão por ritmos africanos adensa este pop feito de cacos domésticos e versinhos íntimos (por vezes raivosos), de ;baixa fidelidade;. As viagens de Garbus ao Quênia apertaram os laços entre a vocalista e uma cultura estrangeira que ela reconhece não entender por completo. ;Quando voltei da África, caí até em depressão: amo aquela música, mas não me sinto no direito de escrever algo igual;, contou. Depois de um tempo, ela tratar aquela referência com a naturalidade como lida com as outras inspirações: uma cor que se transforma quando esta batedeira sonora começa a funcionar.