Sandra de Sá emenda sorriso atrás de sorriso. Para ela, não existe timidez, nem medo de fazer o que gosta, de dizer o que pensa. Pinta os cabelos e as unhas como quem troca de roupa. Após três décadas de carreira, resolveu produzir e bancar o ÁfricaNatividade: Cheiro de Brasil, sem as amarras dos grandes estúdios: mistura de música com projeto social, sempre de olho nas origens brasileiras e nas qualidades que só a música tem. Balanço, alegria, ritmo, batuque, dança. Flamenguista e também roqueira. Veio à capital para dar uma força para a banda Massay. E pretende trazer um pouco da "música preta brasileira" para cá, misturar o tempero carioca ao brasiliense.
Você adotou a banda de rock brasiliense Massay recentemente. Como começou esse contato?
Basicamente, foi pelo meu filho, Jorge. Sou apaixonada por música e gosto de conhecer coisas boas, principalmente o que está rolando. E foi o que aconteceu quando conheci a Massay. Quando vejo coisa boa, falo mesmo, me ofereço para ajudar mesmo. E para chegar junto, falei que queria produzir. Não é por eu ser boa gente, gente fina. Onde tem coisa boa, quero estar junto. Se há uma reciprocidade, quero meu nome colado no que é bacana, no que é legal.
Fale um pouquinho deste momento que você vive, com 30 anos de carreira e trabalho autoral, o CD/DVD ÁfricaNatividade: Cheiro de Brasil.
Vinha de 29 anos de carreira fazendo coisas com produtores e pessoas me guiando, me alicerçando. Mas eu também sempre tive muita coisa na cabeça, muitas ideias. Saí da faculdade direto para o estúdio de gravação. Minha vida era a psicologia, queria ser psicóloga. Mas às vezes falava para os produtores, aí todo mundo dizia que não dava. E saquei que com a nova empresa, a Nega, as pessoas me deram força. Então, produzi meu CD. Foi numa hora legal, em que meu contrato com a Universal estava terminando. Eu devia um CD na Universal. Enquanto tinha essa parada toda, a Adriana, da Nega, estava fazendo comigo. Minha sócia. O CD começou em 2006, se eu não me engano. Se tinha uma grana, ia para o estúdio e fazia mais cinco músicas. Ainda tem um monte de ideias para colocar em prática. E agora o meu maior desafio, o maior exercício é com a Massay. Não estou me metendo com cantor ou intérprete amigo meu, que vejo toda hora, é banda de rock ;n; roll mesmo, brasuca.
Como foi a gravação do DVD?
Deve sair em maio, junho. Cheguei para o prefeito do Rio e disse que queria comemorar com o povo. ;E se fosse na Quinta da Boa Vista?; Já matei muita aula lá (risos). Levava minha vitrolinha e falava, ;mãe, preciso fazer um trabalho na escola, levar a vitrola e alguns discos.; É um lugar legal, que as pessoas estão começando a redescobrir. O DVD vai sair depois do programa no Canal Brasil. ÁfricaNatividade é um projeto aprovado pela Fundação Palmares e pelo MinC. Vem de um projeto que a gente tem, eu e a Nega, o Quilombo Axé. Fui convidada para conhecer vários quilombos, são mais de 5 mil. Pensei em fazer uma coisa documental. Eu vou fazer show nos quilombos com abertura do pessoal da terra. Mas uma coisa que me incomodava era que a gente ficava pouco tempo, num dia ia em dois, três quilombos. Vou escolher só cinco e ficar pelo menos três dias em cada um. Quero me sentar no botequim com os caras, ir à casa, conhecer os mais antigos, saber de que nação vieram. Depois vou para Angola, Cabo Verde, Moçambique. Pegarei algumas pessoas dos quilombos e levarei para a África. Depois convidarei alguns africanos, um ou dois de cada lugar, e trazer para conhecer os quilombos. Vou pegar o que eu fizer no estúdio e mostrar para eles, juntos, para não só aprovarem quanto para darem ideias. Sei que vou enlouquecer, mas depois me internem! (risos). Depois, tenho outro projeto engatilhado, que é o Batucofonia. Só peço que Deus me dê vida para isso tudo. Mas mesmo se papai do céu me chamar para o lado dele, sei que vai ter gente para continuar aqui.
Você sempre dá os seus pitacos no Twitter. Ano passado, deixou claro o apoio à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência do país. E o que está achando do governo atual?
Ela tem atitudes bacanas, sendo firme, falando as coisas. No mínimo, político tem que falar com firmeza. Mas político é político em qualquer lugar do planeta. Eu acho que, pelo menos por enquanto, ela tá fazendo uma parada legal. Essa noia que ela tem da miséria, de acabar com a miséria e a pobreza. Não é só acabar com a pobreza material, mas com a pobreza espiritual. A partir do momento em que se preocupa com cultura, com uma série de coisas inerentes à sensibilidade, à alma. Na hora que acabar com a miséria mental e espiritual, vai ser mais fácil acabar com a miséria material.
Falando de Twitter, como você encara as redes sociais. Você parece adorar, sempre troca tuítes com o seu filho;
Às vezes, não consigo encontrar ele em lugar nenhum, aí mando recado pelo Twitter (risos). Converso com todo mundo. Vou fazer o Rock in Rio com a Bebel Gilberto, ela está em Nova York, mas a gente sempre conversa. Converso com meus amigos. E faço amigos que nem tenho noção de onde são. Contato legal com os fãs também. Sinto prazer em sentir que os fãs ficam felizes quando respondo. Converso até com o povo na rua. Me sinto feliz assim. Não é dizer que sou gente fina. Sou feliz assim. Se eu fizesse isso só pelo outro, anula. E essa coisa das redes, o Orkut; falando nisso, tenho que ir lá, tem um tempão que não vou. Facebook, tenho tudo. Estou em todas.
Você trata a MPB como música preta brasileira. Acha que o Brasil tem avançado na integração das culturas e das raças? O racismo parece sempre voltar;
O racismo não volta. Ele nunca foi. Este negócio de falar assim, ;aquele moreninho, aquele escurinho;, isso tudo é medo de falar. Falo logo é crioleba. Fico p. quando me chamam de morena. Por isso, acho que a gente tem que saber mais da nossa cultura. Tudo isso que rola é falta de educação, digo, de cidadania. Quando falo de música preta brasileira, é o suingue, essa mistura. E tem que colocar também o índio nessa. O índio é o dono da parada. Fui ao Senegal, à Ilha de Gourée, da onde saíram escravos para o mundo inteiro. Passaram mais de 22 milhões de negros lá. Quando cheguei, comecei a me arrepiar e a chorar, chorar. É triste você ver o lugar onde era a engorda, porque escravo com mais de 60kg era bom para vender. Os caras que se rebelavam, tentavam fugir, ficavam de castigo num lugar de teto baixo, inclinado. Saí de lá vendo o mundo de uma outra forma. O suingue que a gente tem é só nosso. Comentei com os meninos: depois que os outros planetas (risos) passaram a conhecer mais o Brasil. Quantos percussionistas estão em bandas inglesas, americanas? E quem faz samba como a gente? Nossa música começa e continua no tambor. Aliás, não termina, porque é infinita. Tento passar muito isso no ÁfricaNatividade. Vai ter mais CDs para mostrar isso. Um dos lances de produzir a Massay é de mostrar isso também. ;Sandra de Sá fazendo banda de rock de Brasília?; Acho que isso pode ser um ponto bacana, um exemplo legal para as pessoas se tocarem sobre o que é música brasileira.
Você é flamenguista fanática, daquelas que xingam, gritam e torcem bastante. Aprovaria o retorno do Wagner Love?
O Adriano, com toda a cachaça, que não sei se é verdade ou não, ele fez muitos gols e deu, com a participação de Love, o Campeonato Brasileiro pra gente. O Deivid só está ensinando como botar a bola pra fora, pra cima, pro lado. Deixa lá, tudo bem. E o Love, se Deus quiser, está vindo. Sou bem amiga dele. Acho que ele está chegando no segundo semestre, torço pra isso. Não tenho nenhum lance secreto. Ninguém me afirmou nada. Mas acredito que ele vai estar aí e fazer o que sempre fez. E com o Ronaldinho distribuindo; e todos os gols que têm acontecido, se não é em todos, 90% saem do pé do Ronaldinho. Ele é um cara que pega a bola e põe a bola onde quer. É meio gol. E se o Love vier, meu Deus do céu! Por isso que eu falo, eu tento ser humilde; mas o que eu vou fazer? (risos).
Mesmo depois de três décadas de carreira, você ainda tem algum ritual antes de entrar no palco? Dá um friozinho na barriga?
Friozinho, tem sempre. Geralmente quando vai chegando o show, fico doida para começar e acabar. Deus é tão bom comigo que me deu, não um trabalho, mas uma missão. E ainda ganho um troco, cara! (risos). Tem gente que gosta de ficar sozinha. Eu não gosto, se tiver amigo, pessoal da equipe, eu converso, eu sacaneio, eu brinco, eu rio. Tenho que beber meu champagne sempre. Aquela bolhinha legal, relax. Gosto de atender os fãs, o prefeito, o cara que produziu show, prefiro atender no fim, depois da missão cumprida. Até então, tem que ter uma certa virgindade, pureza na coisa. Não gosto de misturar energias antes. Gosto de entrar com a minha energia. O público também troca energia, mas é uma porrada de gente. Geralmente, saio bem fraca. É o peso dos meus 55 anos de juventude. Outra coisa que sempre falo para as pessoas também: 5.5, turbinada, com tração nas quatro rodas e estepe zerado. E ainda pergunto, ;vai encarar?; Se quiser encarar, estamos aí! (risos).
E a cor do cabelo. Tem critério para a escolha das tintas?
Eu estava olhando a foto do disco Eu sempre fui sincero, você sabe muito bem. E tem cabelo que vagabundo está usando hoje que usei em 1990 e não sei quanto, aquele todo em pé. Teve uma época com o cabelo grande, e outra com máquina zero. Minha mãe ficou apavorada, só faltou me bater. Usei moicano; quando começou a crescer, deixei crescer só em cima. E sempre mudando de cor. Já tive de todas as cores possíveis. Eu tenho várias tintas, fica com a Selma, que sempre pinta meu cabelo. Tem um bocado lá em casa. A gente põe as tintas no salão. Tem dias que escolho, outros falo para ela colocar. Ela fala que eu sou a aquarela dela. As unhas também, uma menina sempre faz. É tanta unha, por que não cada uma de uma cor?
No ano passado, você cantou em Brasília com a Ellen Oléria, na comemoração dos 50 anos da cidade. Quando volta para fazer show aqui?
O lance é fazer aqui o projeto com música preta brasileira, trazendo pessoal do Rio, misturando com pessoal de Brasília e de outros lugares também. Andei falando com Jorge Ferreira, que tem várias casas aqui. Falei pra gente circular a MPB. Lance de, de repente, juntar Claudio Zoli com rock ;n; roll, Toni Garrido ou Cidade Negra com um cara que faz forró. É mostrar a nossa cultura. E a gente, de repente, pela conversa que tivemos, começar mais ou menos em maio e em junho. Se Deus quiser, no máximo no segundo semestre, vamos estar atacando mesmo, como diz o pessoal, ;de com força; (risos).