Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Brasília em construção se tranforma em objeto do desejo de admiradores

Poucas cidades no mundo foram tão fotografadas desde seu nascimento quanto Brasília. A capital da República ganhou álbum desde o planejamento de sua existência até o período adulto, incluindo aí a gestação e o nascimento. Hoje, os baús guardam coleções extensas de documentos geralmente pertencentes a famílias de fotógrafos ou a instituições públicas e privadas, mas ainda é possível colecionadores e pesquisadores conseguirem o acesso a esse material. Seja para formar uma coleção particular ou para integrar pesquisas pessoais, o universo é vasto. No Instituto Moreira Salles (IMS) e na Galeria da Luz Vermelha é possível comprar imagens para colecionar. Em acervos como o de Hélio de Oliveira, Geraldo Vieira e Gabriel Gondim há preciosidades para deleite dos pesquisadores, que também contam com o acervo de 4.500 fotos do Acervo Público do Distrito Federal.

Com intenção de difundir o próprio acervo e estimular o colecionismo, o Instituto Moreira Salles comercializa imagens de grandes fotógrafos do século 20, entre elas uma série realizada em Brasília por Marcel Gautherot nos anos 1960. O francês foi eleito por Oscar Niemeyer como uma espécie de fotógrafo oficial de Brasília. Acompanhou o nascimento da cidade e fez o álbum mais bonito da capital. Na série de imagens em preto e branco, Gautherot desenha uma Brasília recém-nascida, cheia de ruas vazias, ainda muito imponente pela monumentalidade da arquitetura que na época não disputava espaço com as mazelas de um grande centro urbano.

A pureza quase etérea do trabalho de Gautherot levou os pesquisadores do IMS a escolher a série dedicada a Brasília como a única do francês disponível para comercialização. São dois os tipos de tiragem realizadas pelo IMS. Uma versão digital, não numerada, sai por R$ 320. Já os exemplares numerados podem custar em média R$ 2.500. ;Ele é o principal fotógrafo de arquitetura moderna no Brasil;, explica Sérgio Burgi, pesquisador do IMS. ;O IMS não é uma galeria e fazemos esse trabalho para que as obras sejam preservadas e para que as pessoas possam colecioná-las porque são imagens representativas com nomes importantes da fotografia brasileira no século 20.; Os exemplares de Gautherot são impressos digitalmente direto dos negativos e podem ser adquiridos no IMS ou na Livraria Cultura. ;São tiragens contemporâneas;, avisa Burgi.

Documento
A galeria Casa da Luz Vermelha é a única de Brasília na qual é possível encontrar fotografias históricas da cidade para comprar e colecionar. O acervo abriga lote de imagens de Sérgio Jorge, fotógrafo paulista que visitou a capital na época da construção e da inauguração para documentar a cidade para a revista Manchete e para a editora Abril. No arquivo pessoal, Jorge contabiliza uma média de 100 mil imagens. Na galeria, ele mostra quatro trabalhos, todos realizados durante os festejos de inauguração da cidade. ;Na época, esse material foi bastante procurado, mas hoje a procura é muito pequena;, repara Jorge, o primeiro a ganhar um Prêmio Esso da fotografia, em 1960.

Hoje, aos 74 anos, ele quer editar um livro com o ensaio. Os preços das fotografias ; todas assinadas e numeradas ; varia de R$ 2 mil a R$ 3 mil. Kazuo Okubo, proprietário da Casa Luz Vermelha, pretende incrementar o acervo de imagens históricas nos próximos anos com os registros realizados pelo pai, Arlindo Okubo. ;Ele veio para cá em 1959 e foi dono de um cinefoto em Taguatinga;, conta. ;Mas ainda estamos organizando o acervo.; Muitos negativos de Arlindo foram queimados. O próprio fotógrafo se ocupava de dar fim ao material porque não tinha espaço para guardá-lo. A coleção herdada por Kazuo é principalmente de imagens vintage, tiragens de época cuja reprodução só seria possível com scanner e computador. Há alguns meses, o acervo da Luz Vermelha abrigava também imagens assinadas e numeradas de Thomas Farkas, que fotografou a inauguração da capital. Mas com a morte do fotógrafo, no mês passado, a família recolheu o material para inventário.

Nas coleções particulares herdadas por famílias a comercialização é mais delicada. Muitos preferem ceder as imagens ao invés de vendê-las. É o caso de Henrique Vieira, neto de Geraldo Vieira, responsável por uma série de registros aéreos da cidade ainda em obras. No ano passado, Henrique preparou livro e exposição para comemorar os 50 anos de Brasília, mas com os escândalos da Caixa de Pandora, a verba destinada ao projeto foi cancelada. ;Minha intenção era doar o acervo ao Arquivo Público e pedir o tombamento. Não queremos comercializar. Como são imagens históricas, é um patrimônio do povo. O que queríamos era o livro para divulgar a obra do meu avô, que quase ninguém conhece.; As 457 imagens de Brasília que integram o acervo já estão digitalizadas e guardadas em Araguari (MG), mas Henrique não tem problemas em ceder para pesquisas, publicações e reproduções.

Já a família de Gabriel Gondim desistiu de doar os 30 mil negativos e slides do acervo e prefere falar em venda depois de avaliar o conjunto em R$ 4 milhões. ;Falamos com todos os secretários de Cultura desde o governo de Cristóvam (Buarque), mas ninguém se interessou;, lamenta Gabriel, filho do fotógrafo. Parte das imagens foi publicada no livro Arquivo Brasília, organizado pelo alemão Michael Wesely. Com a perspectiva de venda praticamente encerrada, a família encaixotou o acervo em 30 caixas e guardou em um conteiner de uma transportadora. ;Está lá há oito anos;, diz Gabriel, que conservou uma caixa com negativos para eventuais consultas.

Na casa de Hélio de Oliveira, em Goiânia, os trâmites para disponibilizar a coleção de duas mil fotos históricas da cidade estão mais avançados. Aos 82 anos, o fotógrafo ganhou um instituto com o próprio nome e, em breve, será também objeto de livro. ;Ele foi o primeiro a fotografar JK e a nova capital;, garante o filho Hélio. A coleção não se limita à capital e abrange boa parte da história política de Goiás, já que Hélio era fotógrafo oficial do governo do estado.

Cabo de vassoura
Mineiro de Estrela do Sul, Geraldo Vieira era dono de um cinefoto e fã de Juscelino Kubitschek. Nos anos 1950, participava de excursões com outros simpatizantes que organizavam viagens para acompanhar a construção de Brasília. Registrou o desenvolvimento das obras e a festa de inauguração e gostava de contar como criou um método para fotografar a multidão: amarrava a Rolleiflex num cabo de vassoura e clicava a massa do alto.

Tesouro encaixotado
O acervo de Gabriel Gondim inclui mapas dos sítios desapropriados para a construção da capital, livros, selos e objetos colecionados ao longo dos 35 anos de vida brasiliense. Gondim veio do Ceará em 1959 e caiu de amores por Brasília. Fuçava tudo que dizia respeito à cidade e chegou a guardar as velas do velório de JK e duas alças do caixão, adquiridas quando o corpo do ex-presidente foi exumado e transferido ao Memorial JK. O colecionador queria transformar o acervo em museu. Morreu em 1994 sem conseguir sensibilizar as iniciativas pública e privada para o tesouro encaixotado.

Imagens do começo
Hélio de Oliveira foi fotógrafo oficial do estado de Goiás durante cinco décadas. Aos 82 anos, transferiu para o filho Hélio a responsabilidade de encontrar destino para a coleção de imagens captadas durante as excursões para checar a obra de JK.