Em meio à enorme plateia predominante de senhoras reunidas para o show de Natalie Cole, o consultor César Caminha, 42 anos, mantinha a expectativa generalizada no grupo. Ele compareceu, anteontem, ao Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com a intenção de identificar ;a raiz musical do pai da cantora;, o célebre Nat King Cole (1919-1965). ;Foram essas músicas que tocavam a minha infância inteira;, relembrou. Antes do show, ele chegou a ligar para a mãe, dona Ceres, em Porto Alegre, para comemorar a ida ao show da turnê An evening with Natalie Cole. Ainda que tenha cantado a ;infância no coração; (da letra de Lollipops and roses) e se rendido a homenagens ao pai, a diva do jazz e do rhythm & blues não se limitou ao passado. Ao fim do generoso show, com 100 minutos de duração, o conceito de César tinha mudado. ;Poder assumir minha ignorância musical é ótimo: ela não é o pai. Tem uma forte identidade própria e a banda é digna de nota. Agora, quero comprar o disco, para dançar com a namorada;, disse.
Com sapatos, pulseiras e até microfone reluzentes, Natalie Cole, com porte esguio, usou um vestido entre o dourado e prata, à semelhança de Diana Ross na cinebiografia de Billie Holiday, Lady sings the blues. A rainha do jazz, por sinal, ecoou com a segunda música Come rain or come shine, antecedida por Summer sun (do duo sueco Koop), prelúdio da proposta solar das interpretações. Nessa linha, a cantora, aos 61 anos, emplacou até a ;música cool; de Neil Young (Old man) e animou o público, superior a 2 mil pessoas, com This will be (an everlasting love) e Lovely day.
O repertório matou a curiosidade do turista e servidor público Sandro Lyrio, de 33 anos, que, sozinho, escolheu a dedo o programa. ;Tirei para a agenda cultural coisas que não passam pela minha cidade, Vitória. Tem tempo que Natalie Cole não vem ao Brasil e ela prometeu uma série nem tão conhecidas para compensar a ausência;, comentou. Frente aos ingressos que chegaram a R$ 280 (meia), Sandro considerou o preço ;justo, para uma atração internacional;.
Recordações
Para a professora aposentada Marilanda Mendes, 70 anos, o show foi ocasião para desempoeirar a memória musical. ;Curto, e muito, o pai dela e guardo muitas recordações. Tenho até bolachões com as músicas dele, só não me lembro dos nomes das músicas;, observou, ao lado da filha, a professora Márcia Mendes, 50. ;Vim porque gosto da voz dela, e conheço as músicas do Nat King Cole;, disse Márcia. Ela reforçou o peso da plateia feminina. ;Estamos numa fileira só de mulheres: viemos entre seis;, divertiu-se.
Entusiasmada, a cantora ficou bem à vontade, ao ;regressar a 1900 e setenta e alguma coisa;, com Mr. Melody, dedicada aos homens, antes de anunciar o rock;n;roll, com Oh Daddy. Sob falsa vaidade, ela disse que há músicas ;favorecidas quando cantadas por mulheres;, relativizando o sucesso de Michael Franks com Tell me all about it, antes de imprimir a delicadeza e o tom relaxante para a música. Comprovado pelo coletivo estalar de dedos, o vínculo maior com o público veio com Fever (eternizado por tipos como Peggy Lee e Elvis Presley). Num crescente, Natalie soube tirar proveito de ;um esquecimento;, calorosamente aplaudido: ;Não percebia que no meu repertório tinham tão lindas músicas feitas no Brasil;. Seguiram-se a versão de O morro não tem vez (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), Somewhere in the hills, e Dindi, um tanto prejudicada pela limitação da sala. Com as pernas trêmulas e um controle completo da voz, Natalie Cole emocionou, com So many stars, de Sérgio Mendes, de quem se disse ;enorme admiradora;.
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Notas emotivas
Generosa com os outros nove músicos no palco, com destaque para Brady Coham (guitarra), Edwin Livingstone (baixo) e Josh Nelson (piano), a cantora deixou transparecer, a todo momento, a alegria dos olhos expressivos, uma vez superada a hepatite C, a quimioterapia e o transplante de rim. Curta nas exigências ; no camarim, quis apenas água mineral das ilhas Fiji, chá de camomila, nozes, leite de arroz e frutas ;, Natalie Cole, simpática e sorridente, não deixou na mão a parcela de interessados em confirmar o dom da genética vocal, como a dona de casa Jaciara Azevedo, 55 anos. ;Nat King Cole não é bem da minha época, era de um pouquinho antes, mas, para o show, o que me vem na cabeça é a espera por Unforgettable;, enfatizou, ao engrossar a unanimidade, na ponta da língua da plateia.
Depois de voltar aos tempos do The King Cole Trio, com Straighten up and fly right (homenageando a letra feita pelo pai), de demonstrar a integração com o contemporâneo, a partir de Better than anything (gravada com Diana Krall) e de se render ao consagrado (Route 66, eternizada por Chuck Berry), a cantora cedeu à emoção. ;Sigo com a fase do que é impecável, dos clássicos insubstituíveis;, avisou, para engatar: ;A próxima música é tão maravilhosa, que não precisa de introdução ; a primeira já palavra diz tudo; . Muito aplaudida, Smile foi ressaltado como presente de Charles Chaplin ao pai dela. Dueto inesperado de 1991, Unforgettable materializou o ;inesquecível; da letra: várias cenas em família, projetadas no telão, puxaram a emoção. Sucessos absolutos do pai, The very thought of you e L-O-V-E completaram a celebração paterna no show encerrado em clima de alto astral, com mais jazz e R.
Eu fui...
;Ela foi além do resgate daquilo que embalou nossa juventude. Se mostrou uma mulher coerente com o século 21, ao reforçar quem ela é hoje. Foi muito bonito;
Cosete Ramos Gebrim, educadora, 69 anos