A capa do sétimo livro de Vicente Sá, maranhense de Pedreiras que veio para a capital em 1968, parece anunciar um compêndio de memórias, reproduções de diários velhos ou ainda um relato confessional dos primeiros anos da infância. A montagem fotográfica da página que envolve os textos mostra um retrato de família desgastado pelo tempo ; Sá é o bebê, ao centro. Mas não há nada de antigo nisso tudo. O engenho da loucura, ;80% de coisas novas e 20% de coisas mais antigas;, tem cheiro de novo, e é escrito por um sujeito que, aos 53 anos, não gosta de ser chamado de ;senhor;. Ele amadureceu a sua escrita ao lado de outros poetas de DNA brasiliense ; como Nicolas Behr ; e músicos dos tempos de Concertos Cabeças ; Liga Tripa, Renato Matos, Rênio Quintas e outros. E, em 2011, tem muito o que celebrar. Hoje, às 19h, no T-Bone (312 Norte), o autor vibra, ao lado de amigos artistas, 35 anos de carreira, em evento de entrada gratuita.
Apesar da proximidade com músicos e da experiência como letrista ; que já rendeu parcerias com muita gente, de Aloisio Brandão a Lucina ;, Vicente diz que não canta e que ;não sabe tocar nem campainha;. Porém aprecia os versos que fluem como frases comandadas por melodias. ;O livro (que será vendido a R$ 20) tem pouca influência da música. Mas acho que cada poesia tem a sua marcação, o seu ritmo. E cada uma é diferente da outra. Não têm a mesma batida.Mas tem que descobrir um novo jeito para ele caminhar, um novo ritmo;, acredita o escritor, também roteirista de documentários e porta-voz do movimento Viva Arte.
Ele avisa, já nas primeiras páginas, que seus versos não querem se desgarrar dos olhos do leitor. ;Sorria / Você está sendo / Transformado em poesia;, escreve em A câmera do poeta. Vicente conta que a poesia é uma espécie de ;loucura boa, que produz coisas, que produz rapadura, carinho;. E que deve ser ;pra cima; ; a despeito dos ;momentos down de todo poeta;. ;Depende muito do estado de espírito. Mas acredito que a maioria dos artistas tem uma visão positiva. A poesia também é conhecimento: das relações humanas, inclusive até do incompreensível, das sensações, dos palpites. E é um pouco menos rígida do que a religião. Quando você conhece como funciona a humanidade, mesmo por meio do saber poético, você tem a esperança de que o mundo não vai acabar;, destaca.
A herança criativa vem de uma época em que a poesia ainda germinava nas fendas do concreto federal. Anos 1970 e 1980, da geração do mimeógrafo, de cordelistas que lançavam livros a toda hora, ;lançavam no sentido de lançar mesmo, para as pessoas;, ri. Para ele, uma gênese influenciada pela amizade entre melodia e verso, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, quando hospedados no Catetinho para compor uma sinfonia à cidade. Vicente não canta, mas versa como se soubesse ; desde o primeiro cordel, O romance de Maricota e um tal Ronaldo.
O ENGENHO DA LOUCURA
Lançamento de O engenho da loucura (Impressão: Gráfica Starprint; R$ 20), sétimo livro de poesias de Vicente Sá, que comemora 35 anos de carreira. Hoje, às 19h, no Açougue Cultural T-Bone (312 Norte). Apresentação do mímico Miquéias Paz e homenagens de amigos do escritor, como Aloísio Brandão, Nonato Varas, Renato Matos, Rênio Quintas e outros. Entrada gratuita. Informações: 3274-1665" />Poesias
Amor enrolado
Nós dois
Dois nós
Nos dois
A janela
A janela é para se olhar e sonhar
e a porta, talvez por isso,
seja o risco.
Só não deve acontecer é da janela estar fechada
e a porta encadeada
Mas não esquenta não, fogão
fica fria, geladeira
Quando não der mais pé
a gente foge pela chaminé
O coração do lago
Pouca gente percebe o Lago Paranoá
Passa por ele como passa um patrão
pelo empregado
Ele, ali, na sua lida costumeira de
umedecer o ar
Pouca gente ouve o Lago Paranoá
Mas seu rumorejo tem um sotaque que fica
Entre Goiás e outro qualquer lugar
Uns poucos pescadores admiram
as poucas garças
Que se admiram da pouca educação desta
tanta gente que não os vê
E, lá dentro do lago, um imenso
coração de água
Pulsa uma lembrança doce de água
De um pequeno olho de água
Onde tudo começou
Palavra
Não há nada que se diga
Que não abra uma ferida
Tapas que a palavra dá na vida
Por isso e mais duzentas outras coisas
É que eu sou assim
Mais perto de você
Do que de mim
O velho 66
Em minha cidade, Brasília,
O ônibus 66
Desce de Sobradinho
De dia, uma beleza
Mas, em certas horas da noite,
Tem uma particularidade
Mesmo estando sem passageiros
Cobrador e motorista
Ouvem a cigarra puxada
Por uma mão invisível
Casaca
Passarinho
Quando não tem ninguém olhando
Vira banqueiro
E fica passeando de casaca no terreiro
Horóscopo
Os gêmeros virgens
Tinham câncer