; Ricardo Daehn - Enviado Especial
São Paulo ; Em meio a feições quase desfocadas em preto e branco da decoração original do Kinoplex (Itaim Bibi), um rosto colorido se projeta, num cartaz. Melhor, um não ; múltiplos rostos ;, numa publicidade que bem define a base para o longa do estreante Toniko Melo, VIPs, originado pela compulsão do jovem Marcelo Nascimento da Rocha de se desdobrar em várias facetas, numa sucessão de golpes. ;O personagem comete delitos, óbvio. Mas, será que estamos falando disso? O filme aborda limites da ética e da moral que a lei até contempla. Não foi nossa intenção glamourizar o crime;, explica o diretor à frente do longa-metragem que estreia sexta-feira. Baseado em VIPs ; Histórias reais de um mentiroso, livro escrito por Mariana Caltabiano, o filme tem chamariz infalível: um Wagner Moura incorporando variadas facetas.
;Marcelo, no filme, é uma pessoa que não tem a percepção de realidade da maioria das que estão aqui, por exemplo. Mesmo assim, vai em busca de quem seja. Quer se encontrar, ficar mais próximo de si mesmo. Brilhante, inteligente e esperto, ele não consegue canalizar tudo isso para uma coisa boa;, opina o astro de Tropa de elite 2. Na vida real, o homem enganou a muitos, posando inclusive de filho do dono das linhas aéreas Gol, Sabia também imitar Bono Vox (do U2). Mas, por inviabilidade econômica, o filme faz o protagonista mimetizar, numa cena, Renato Russo.
Diretor do primeiro clipe da banda (Será), Toniko Melo lembra que o grupo musical de Wagner Moura está no filme: ;Sua mãe (o conjunto) está no filme! Esse carinha, o Wagner, sabe todas as músicas da Legião de cor. Conheci bem o Renato e as letras das músicas. Aliás, o Renato tem até um pouco a ver com o Marcelo criado pelo Wagner: uma vez, na Augusta, na Longchamp, ele começou a falar inglês comigo e com o barman, porque surtou;, diverte-se o cineasta.
Fora da comédia, por vezes, VIPs ganha contornos trágicos. Em cena que define muito do papel de Marcelo, a preferida de Wagner Moura, ao encontro de identidade, o personagem busca a mãe (Gisele Froes, a Lorena da novela A favorita). ;É impressionante como o olhar materno determina quem a gente é. A primeira pessoa que diz quem somos é mãe. É o olhar que aquece a criança. Mas, o olhar da personagem da Gisele é muito torto. A cena é linda, ele pergunta claramente: mãe quem eu sou? Ele pede, ela não entende e vai embora;, sublinha Moura.
;No filme, Marcelo tenta corresponder à expectativa da mãe. Tentei entender essa mãe que tem um altar de fotos de celebridades, no salão de beleza em que trabalha. O visual, o superficial e as imagens são o que importa para ela, que chega a dizer: ;Meu filho, com um corte de cabelo certo, metade da sua vida está resolvida;;;, comenta Gisele Froes. Atrelada ao universo das fofocas, a personagem Sandra é fundamental, no processo de desmascaramento de Marcelo. Arieta Corrêa, reconhecida intérprete nas montagens de Antunes Filho, resume o papel: ;Ela transita pelo meio superficial dos famosos. Há a identificação entre ela e o Marcelo. Estereótipos à parte, a gente diz: ;Os dois loucos trazem um imã neles e são saudáveis de uma saúde fake;. O cruel é ela ; justamente à margem ;ser tachada de louca;. Nos episódios verídicos, mestre do disfarce, ele chegou a trapacear na tevê, em entrevista a Amaury Jr.
Melhor filme no festival do Rio 2010, VIPs, orçado em R$ 8 milhões, levou nove anos para ganhar corpo. O encantamento inicial do diretor cedeu lugar ao ;desapego; da ;fonte original;, como diz Bráulio Mantovani (roteirista, ao lado de Thiago Dottori). ;A armadilha da história está no fascínio pelos golpes que foram aplicados. A tendência é querer aproveitar ao máximo cada um. Mas, na tela, chegaria no quinto golpe e o espectador não aguenta mais. Perderia o efeito e não teria mais novidade;, explica o roteirista de Cidade de Deus. ;Não posso comprar os direitos da vida de alguém, tem que existir uma substância (no caso, o livro). Ainda mais o cara sendo um 171 (estelionatário), com cinco identidades perfeitas, que ninguém conhecia a verdadeira ;, diz o cineasta.
Sem juízo
Como ;um escultor enlouquecido, como o Rodin faria, a gente foi esculpindo o protagonista;, exagera Toniko Melo. ;Tenho um juízo moral sobre a figura do estelionatário. Mas jamais deixaria de fazer um filme por causa de perspectivas morais. Caso contrário, não teria feito metade dos papéis até hoje. Meu interesse foi estético e não achei que fosse o caso de conhecer o cara que inspirou o longa. Meu entendimento foi o de retratar um menino que se procurava;, comenta Wagner Moura. Com direito a papel relevante, no mesmo caso do ator brasiliense Juliano Cazarré, o argentino Jorge D;Elia (de O abraço partido) interpreta um patrão paraguaio. ;Contracenar com ele foi um prazer e um aprendizado enorme;, sintetiza Moura.
Sem categorizar a patologia do paranaense que, na vida real, já empreendeu várias fugas da prisão, VIPs vem calibrado por dose de polêmica, já que o Marcelo real já ameaçou processar a produção da fita realizada pela O2 de Fernando Meirelles. ;A justiça, se necessário, taí pra isso;, diz Toniko. Satisfeito, ele conta que os testes de audiência estrangeiros bateram os resultados até de Cidade de Deus, mas, ao mesmo tempo, lamenta o possível ;massacre; do filme que chega em 180 salas ao mercado nacional às vésperas do despejo, em 1000 salas, da animação Rio. Numa história em que a aviação toma proporções hamletianas, VIPs obrigou o ator central ao aprendizado de técnicas de taxiamento. ;Tenho condições técnicas e psicológicas para fazer um avião decolar, precisaria alguém, depois, só para pousar;, diverte-se. O resultado do pouso parece estar, definitivamente, nas mãos dos espectadores.
O repórter viajou a convite da produção
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