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Diversão e Arte

Pela primeira vez em Brasília, Seal faz resumo da carreira em show

No refrão de Crazy, um dos maiores sucessos da carreira, Seal decreta: para sobreviver, um pouco de loucura é indispensável. Quando gravou a canção, em 1991, o cantor inglês ainda não havia completado 30 anos de idade ; era, como ele próprio gosta de lembrar, um ;homem do mundo;. Hoje, aos 48, ele interpreta o hit com certo distanciamento, como quem passa os olhos numa fotografia antiga. O disco mais recente, lançado no fim do ano passado, explica a nova fase do ídolo. Commitment (em português, compromisso) mostra um homem sereno, contente com a vida em família, ao lado da esposa ; a modelo alemã Heidi Klum, 37 ; e dos quatro filhos. ;O título do disco conta a história da minha vida. Para mim, tudo é uma questão de compromisso;, afirma, em entrevista por telefone ao Correio.

Não é nada falsa, portanto, a impressão de que Seal passou a lidar com a carreira de uma forma mais cuidadosa, realista. No início da década, abalado por uma indústria musical em declínio, o cantor chegou a cancelar um disco (Togetherland, de 2001, rejeitado pela gravadora) e apelar para o filão dos registros de shows e dos álbuns de versões. A tormenta parece ter passado. A maturidade se reflete no palco. Na turnê de Commitment, que chega hoje a Brasília, Seal comemora os 20 anos do disco de estreia (de Crazy), mas sem o saudosismo desesperado de quem tenta recuperar o tempo perdido. ;É uma celebração da minha carreira, de todas as fases. Vou cantar algumas músicas que não costumo tocar. E, é claro, todos os hits;, adianta.

Nos palcos brasileiros, o cantor percebe uma responsabilidade extra. Fã de Dorival Caymmi, Seal vê no país uma espécie de lar. Casa pouco frequentada, é verdade ; ele se apresentou apenas duas vezes por aqui, no Hollywood Rock (1992) e em 2008, quando passou por quatro cidades, mas que guarda raízes familiares ainda misteriosas. O pai, nigeriano, era filho de brasileiros. O cantor esteve em Salvador, onde os avós moravam, mas não conseguiu encontrar os parentes menos próximos. ;Não tive tempo. Quem sabe desta vez?;, diz. As memórias de infância, por enquanto, são mais bem sintonizadas nos clássicos de soul music, que aparecem no repertório do show. ;Aprendi a ouvir soul ainda pequeno. Foi minha mãe quem me ensinou. Ela ouvia comigo;, lembra.

Além de acertar contas com esse passado tropical, o londrino quer aproveitar a visita brasileira para conhecer músicos do país. ;Quero desenvolver um projeto com músicos brasileiros;, avisa. A turnê, que dura 10 dias, começou em São Paulo, há uma semana, e fez escalas no Rio e em Belo Horizonte. Depois de Brasília, está prevista apresentação em Recife. O show de Fortaleza, marcado para o dia 26, foi cancelado por ;motivos logísticos;. ;Voltar ao país me deixa muito feliz. O show de São Paulo foi simplesmente incrível;, comenta. No set list de Seal, não vão faltar faixas que rodaram nas rádios, como Kiss from a rose (o maior sucesso da carreira do músico), Prayer for the dying, Love;s divine e Don;t cry.

Sem medo

Por mais que o público se impressione com o vozeirão rouco do músico, Seal não anda muito preocupado em demonstrar virtuosismo. É um intérprete requisitado (quando lançou um ;greatest hits;, incluiu versões para Burt Bacharach e Echo & The Bunnymen). Mas, no álbum Commitment, ele mostra o desejo de se afirmar como um compositor de respeito e um músico criativo, que explora as muitas possibilidades dos estúdios de gravação. ;É um disco destemido, que experimenta. Mas sempre tento gravar de uma forma diferente, provocar os músicos, buscar novas ideias. Caso contrário, não há como seguir em frente e produzir boa arte;, decreta.

A arte de Seal, entretanto, não parece tão atraente quanto à vida do músico. Pelo menos não para os tabloides e revistas de celebridades, que insistem em explorar a história do menino pobre, abandonado pelos pais, que viveu a adolescência se pendurando de banda em banda, em viagens por países como China e Índia. De fato, a trajetória do cantor ; cujo nome completo é Seal Henry Olusegun Olumide Adeola Samuel ; tem um quê de conto de fadas. Descoberto pelo produtor inglês Adamski, que o convidou para cantar na faixa Killer, o ;outsider; escalou as paradas de sucesso e se tornou um milionário que venceu três Grammys (por Kiss from a rose) e hoje vive em Los Angeles, a poucas quadras do amigo David Beckham.

Quando lançou Commitment, Seal fez uma brincadeira numa entrevista a um jornalista inglês. Disse que estava feliz por finalmente ouvir perguntas sobre música, e não sobre o cotidiano. ;Parece que vocês só querem saber sobre o meu dia a dia;, alfinetou, bem-humorado. Ao Correio, é mais direto. ;Eu só falo aquilo que bem entendo. Os jornalistas podem perguntar tudo. Só vou responder o que quero.; Senhor de si, portanto.

SEAL
Hoje (quarta-feira, 23/3), às 21h30, no ginásio Nilson Nelson. Ingressos (valores de meia entrada): R$ 80 (pista, primeiro lote) e R$ 130 (pista premium, primeiro lote), à venda no Brasília Shopping, Free Corner (304 Sul), pelo site www.ticketsforfun.com.br e pelo telefone 4003-5588. Assinantes do Correio têm 50% de desconto no ingresso inteiro (Sempre você). Não recomendado para menores de 16 anos.

Três perguntas para Seal

O título de seu disco mais recente é Commitment. É uma mensagem aos fãs?
Também é. Mas o título resume tudo o que penso sobre a vida. Tudo o que faço na minha vida requer comprometimento. Comprometimento com a música, com os fãs, com a arte, com tudo. Acho que é um sentimento universal. Para progredir, para seguir adiante, é preciso comprometimento.

Depois de 20 anos de carreira, ainda é desafiador entrar no estúdio para gravar um disco novo?
Ainda é. Mas, ao mesmo tempo, com o tempo tudo fica mais fácil. Hoje, com o avanço da tecnologia, você pode gravar em qualquer lugar. Eu gravo músicas durante as turnês, quando estou viajando. Uso meu iPad, é mais simples. A tecnologia permite que você seja mais criativo, que você capture as composições na hora em que elas aparecem. É uma época muito animadora.

Você se expõe nas letras das músicas. Existe um limite?
Acredito que a música tem que ser pura e livre. Quem escreve música tem que estar disposto a mergulhar na própria arte, a aparecer naquilo que faz. Meus discos, minhas músicas sempre foram muito pessoais. A inspiração vem de todo lugar: da minha vida, da minha família. As música são como diários. Há pessoas que fazem diários. Eu faço música.

Veja clipe da música Crazy