Numa entrevista ao jornal inglês The Sun, em outubro de 2009, lá pelas tantas o vocalista Julian Casablancas desabafou: ;Uma banda é uma ótima forma de acabar amizades;. A confissão, somada a outras alfinetadas sobre os desgastes do show business, fez soar o alarme no mundo pop: tudo indicava que os Strokes ; um símbolo do rock urgente e econômico que marcou o início do século 21 ; passavam pela primeira grande crise criativa da carreira. Perdido num tiroteio de projetos solo e combalido por um terceiro disco irregular (First impressions of Earth, de 2006), o grupo pediu tempo ; e entrou num período de ;hibernação;.
O retiro nada teve de silencioso. Nas gravações do quarto álbum, Angles (que vazou domingo passado na internet), os Strokes viveram uma novela de desencontros, atrasos e brigas. ;Não existe consenso. Estamos divididos. Nós não somos amigos que vão ao cinema juntos. Quando não estamos ensaiando, nem nos vemos;, admitiu Julian, 32 anos, ao The Sun. As primeiras músicas, colaborações entre o cantor e o baixista Nikolai Fraiture, foram escritas ainda em janeiro de 2009. Mas Angles só ficou pronto dois anos depois.
A banda anunciou um álbum que soaria como uma ;mistura do rock dos anos 1970 e de música do futuro;. Mas os integrantes preferiram espairecer. Julian tomou ar com os sintetizadores oitentistas de Phrazes for the young, lançado em dezembro de 2009. O sol brilhava nos projetos paralelos dos guitarristas Albert Hammond Jr. e do baterista Fabrizio Moretti (Little Joy). Menos elogiados, Nikolai azeitava a Nickel Eye, enquanto as guitarras de Nick Valensi apareciam em canções de Regina Spektor, Sia e Devendra Banhart. Todos ocupadíssimos ; e muito bem separados.
Não que a liberdade tenha feito mal aos roqueiros. Mas o reencontro se deu sem conforto, numa guerra de vaidades. Nos primeiros discos ; Is this it, de 2001, e Room on fire, de 2003 ;, Julian Casablancas assinava quase todas as canções. Desta vez, todos os craques do time fazem questão de exibir jogadas individuais. O título do disco ; ;ângulos;, em português ; resume esse ;racha;. Cada faixa espelha o músico que a escreveu.
Estúdio
;É um retorno ao ;som clássico; da banda e o álbum que deveria ter sido feito entre Room on fire e First impressions of Earth;, afirmou Nikolai. O grupo que entrou em estúdio, porém, não tem mais a ingenuidade de antes. Dispensou, por exemplo, o produtor Joe Chicarelli, que retocou apenas uma faixa (Life is simple in the moonlight). Angles foi gravado na casa de Hammond Jr., em Nova York, após incontáveis discussões sobre canções que nunca pareciam prontas.
O disco que chegou à internet na noite de domingo ; em meio a notícias sobre uma possível tragédia atômica no Japão ; foi recebido com críticas positivas na imprensa americana e uma onda de comentários demolidores no Twitter e no Facebook. Quem esperava um álbum mais festivo teve que enfrentar o ;clima estranho; (nas palavras de Nicolai) que abalou a terra dos Strokes. Com piscadelas para o synthpop dos anos 1980, a banda tenta se reinventar sem repetir as marcas de um típico hit do início dos anos 2000. É uma luta. Mas o primeiro round já começou.
ANGLES
Quarto disco do Strokes, com produção da própria banda e de Joe Chicarelli. Lançamento Sony, 10 faixas. Preço médio: R$ 25." />CRÍTICA **
Tentativa e erro
Produzir hits fulminantes não é mais um desafio para uma banda de rock que escreveu faixas como Last nite, Reptilia e Juicebox. Mas, desde o morno First impressions of Earth (2006), os Strokes lançaram-se num desafio que, para o quinteto, ainda parece enigmático: gravar discos tão poderosos quanto as canções de três minutos que criaram no início da década. Quando muito, Angles exibe as limitações de um grupo que ; apesar das tentativas ; não faz justiça às próprias ambições.
Em tese, o álbum é um contra-ataque corajoso: mais dark e arredia, a banda evita reprisar o modelo de Is this it (apesar do single Under cover of darkness, que beira a autoparódia) e desce fundo, com convicção, num rock encharcado por baterias eletrônicas, sintetizadores e outras firulas oitentistas. Two kinds of happiness, por exemplo, abre com a atmosfera arejada de uma canção dos franceses do Phoenix, enquanto Gratisfaction rouba a euforia do Queen. Já a densa Metabolism obscurece o vocal de Casablancas num tsunami de guitarras com algo de heavy metal. Lembra Muse.
São caminhos inusitados, que mostram uma banda disposta ao risco. Mais complicado é justificar um resultado tão desconjuntado ; um álbum confuso em vez de fascinante, com boas ideias que morrem na praia. Um livro de esboços. ;Todo mundo está cantando a mesma música há 10 anos;, espanta-se Casablancas, na música Under cover of darkness. Em Angles, os Strokes tentam fazer diferente. Tentam.