Diversão e Arte

Clássico de Bizet chega aos cinemas com versão vista na Royal Opera House

Ricardo Daehn
postado em 12/03/2011 10:35

Como qualquer obra cultuada, Carmen, ópera criada pelo francês Georges Bizet, a partir de texto de Prosper Mérimée (morto em 1870, cinco anos antes da estreia), traz em si a perspectiva de um eterno retorno. Vista em Brasília, por exemplo, há 11 anos ; na abertura da temporada da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, numa montagem que reuniu coro de 50 vozes e 20 bailarinos da cidade na Sala Villa-Lobos ;, a atração se renova e agora chega aos cinemas, a partir do recurso do 3D. A iniciativa possibilita novo contato com a espinha dorsal da novela original (datada também do século 19) e que deu base para as encenações locais, ao ar livre, na Torre de TV, em setembro 2007 e em junho 2009.

Com quatro sessões ; uma delas hoje, às 19h, e outra, amanhã, às 17h ;, até 20 de março, a rede Cinemark exibirá versão feita pela Royal Opera House (Reino Unido). Tamanho é o realismo possibilitado pela mesma empresa (RealD) que deu respaldo técnico a filmes como Avatar e Alice no país das maravilhas, que a comparação com experiências ao vivo se prova muito válida. Melhor dito, aliás, que se a obra ; encenada pela primeira vez em Paris, três meses antes da morte de Bizet ; foi cristalizada como ponto de ruptura musical capaz de ecoar em 20 países (em apenas oito anos), ela segue revolucionando. Com elenco reforçado por acrobatas e animais, a mais popular das óperas, que ocupa posto de destaque no segmento da ópera-comique (como eram conhecidas as peças francesas com diálogos falados), no momento das filmagens na Royal Opera House, há oito meses, conquistou espectadores dispostos a pagar cerca de R$ 100 por assento.

Cena da ópera Carmen: como se o espetáculo fosse ao vivoO espetáculo, criado no palco londrino por Francesca Zambello, com três horas de duração, foi encenado em junho de 2010, e, nas telas, alcançará 19 cidades brasileiras. Com medidas inovadoras ; como a de, num primeiro momento, literalmente, tirar a orquestra do fosso, ao dar visibilidade aos músicos ; a produção torna mais do que nítida a expressividade dos intérpretes como na aparição do cabo Don José (o tenor Bryan Hymel), com as mãos imobilizadas, num recurso que ainda amplia a dramaticidade do primeiro plano. Passada em Sevilha, a obra da sedutora cigana (a mezzosoprano Christine Rice), capaz de encantar tanto o toureador Escamillo (o barítono Aris Argiris) quanto Don José, é habilidosa em criar ápices, como a monumental primeira aparição de Carmencita (como é apelidada), na praça intensamente tomada por populares e soldados, aos 20 minutos de filme.

Atração
Em paralelo ao respeito das clássicas técnicas orquestrais, da envolvente melodia e da difusão harmônica, quesitos que fundaram o reconhecimento crítico e alimentaram conterrâneos de Bizet como Erik Satie, Claude Debussy e Maurice Ravel, o filme projeta o poder de atração de ;raparigas;, e precisamente, o ímã inerente àquela moça rodeada, em cena, por mais de 20 homens: Carmen. Prioridade absoluta, a magnética presença dela ; que tem ;um coração fácil de consolar; ; ganha relevo como na sequência na qual entoa a Habanera, e noutra, em que depois de uma seguidilha, se esquiva, por meio da sensualidade, da prisão. A onipresença da cigana se perpetua, como ;demônio; que põe à prova a afetuosa e estável relação de Don José com a doce Mica;la (Maija Kovalevska, soprano).

Julian Napier, diretor da logística cinematográfica, há sete anos familiarizado com formato 3D, assina Carmen, ópera integrada pelo maestro Constantinos Carydis. Napier ; formado na Universidade de Westminister e experimentado nas montagens do West End de Londres ; já trabalhou em filmes como Hook ; A volta do Capitão Gancho (de Steven Spielberg), enquanto o colega Sean MacLeod Phillips, o diretor de fotografia que atende pelo desafio de concatenar a unidade visual do longa, havia tomado parte de produções como Magnificent desolation: walking on the moon, narrada e escrita por Tom Hanks, e da inovadora fita inglesa Bugs! (2003), feita com média metragem.

Concentrada em salas do Pier 21, a programação alternativa da ópera no cinema ; por vezes, agregada a horários do complexo Cinemark do Shopping Iguatemi ; atraiu, com cinco apresentações da nova-iorquina Metropolitan Opera, quase 800 espectadores. No que depender da nova atração, com libreto assinado por Henry Meilhac e Ludovic Halévy, o chamariz da sensualidade latente de Carmen ; que alerta para a inexistência de leis, no campo do amor, e para o perigo atrelado à própria figura dela ; traz o interesse do ineditismo em 3D. Sinal de que a fogosa protagonista da ópera que incomodou a burguesia, pelo rompimento de padrões morais e pelo cenário moderno para uma obra ;respeitável; (em meio à profusão de comédias leves da época) segue firme o percurso da provocação.

Autor ousado
Morto aos 36 anos, o ex-estudante do Conservatório de Paris, que adentrou a entidade na faixa etária de 9 anos e por lá permaneceu ao longo de quase uma década, Georges Bizet foi um compositor de poucos êxitos ; o maior, de longe, Carmen. Ex-aluno do mestre romântico Charles Gounoud (da sacra Ave Maria) e contemporâneo dos notáveis Camille Saint-Sa;ns, Richard Wagner e do gênio italiano da ópera Giuseppe Verdi, Georges Bizet, pelos temas ousados e pelo risco nas criações, é apontado pelos especialistas como modelo influente para figuras como o belga Giacomo Puccini e o austríaco Alban Berg.


CARMEN
Cinemark Pier 21, sessões em 3D, hoje, às 19h, e amanhã, às 17h. Ainda em março, dias 15 (às 20h) e 20 (às 17h). Ingressos para as sessões especiais a R$ 50 e R$ 25 (meia). Classificação indicativa livre.

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