Como qualquer obra cultuada, Carmen, ópera criada pelo francês Georges Bizet, a partir de texto de Prosper Mérimée (morto em 1870, cinco anos antes da estreia), traz em si a perspectiva de um eterno retorno. Vista em Brasília, por exemplo, há 11 anos ; na abertura da temporada da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, numa montagem que reuniu coro de 50 vozes e 20 bailarinos da cidade na Sala Villa-Lobos ;, a atração se renova e agora chega aos cinemas, a partir do recurso do 3D. A iniciativa possibilita novo contato com a espinha dorsal da novela original (datada também do século 19) e que deu base para as encenações locais, ao ar livre, na Torre de TV, em setembro 2007 e em junho 2009.
Com quatro sessões ; uma delas hoje, às 19h, e outra, amanhã, às 17h ;, até 20 de março, a rede Cinemark exibirá versão feita pela Royal Opera House (Reino Unido). Tamanho é o realismo possibilitado pela mesma empresa (RealD) que deu respaldo técnico a filmes como Avatar e Alice no país das maravilhas, que a comparação com experiências ao vivo se prova muito válida. Melhor dito, aliás, que se a obra ; encenada pela primeira vez em Paris, três meses antes da morte de Bizet ; foi cristalizada como ponto de ruptura musical capaz de ecoar em 20 países (em apenas oito anos), ela segue revolucionando. Com elenco reforçado por acrobatas e animais, a mais popular das óperas, que ocupa posto de destaque no segmento da ópera-comique (como eram conhecidas as peças francesas com diálogos falados), no momento das filmagens na Royal Opera House, há oito meses, conquistou espectadores dispostos a pagar cerca de R$ 100 por assento.
O espetáculo, criado no palco londrino por Francesca Zambello, com três horas de duração, foi encenado em junho de 2010, e, nas telas, alcançará 19 cidades brasileiras. Com medidas inovadoras ; como a de, num primeiro momento, literalmente, tirar a orquestra do fosso, ao dar visibilidade aos músicos ; a produção torna mais do que nítida a expressividade dos intérpretes como na aparição do cabo Don José (o tenor Bryan Hymel), com as mãos imobilizadas, num recurso que ainda amplia a dramaticidade do primeiro plano. Passada em Sevilha, a obra da sedutora cigana (a mezzosoprano Christine Rice), capaz de encantar tanto o toureador Escamillo (o barítono Aris Argiris) quanto Don José, é habilidosa em criar ápices, como a monumental primeira aparição de Carmencita (como é apelidada), na praça intensamente tomada por populares e soldados, aos 20 minutos de filme.
Atração
Em paralelo ao respeito das clássicas técnicas orquestrais, da envolvente melodia e da difusão harmônica, quesitos que fundaram o reconhecimento crítico e alimentaram conterrâneos de Bizet como Erik Satie, Claude Debussy e Maurice Ravel, o filme projeta o poder de atração de ;raparigas;, e precisamente, o ímã inerente àquela moça rodeada, em cena, por mais de 20 homens: Carmen. Prioridade absoluta, a magnética presença dela ; que tem ;um coração fácil de consolar; ; ganha relevo como na sequência na qual entoa a Habanera, e noutra, em que depois de uma seguidilha, se esquiva, por meio da sensualidade, da prisão. A onipresença da cigana se perpetua, como ;demônio; que põe à prova a afetuosa e estável relação de Don José com a doce Mica;la (Maija Kovalevska, soprano).
Julian Napier, diretor da logística cinematográfica, há sete anos familiarizado com formato 3D, assina Carmen, ópera integrada pelo maestro Constantinos Carydis. Napier ; formado na Universidade de Westminister e experimentado nas montagens do West End de Londres ; já trabalhou em filmes como Hook ; A volta do Capitão Gancho (de Steven Spielberg), enquanto o colega Sean MacLeod Phillips, o diretor de fotografia que atende pelo desafio de concatenar a unidade visual do longa, havia tomado parte de produções como Magnificent desolation: walking on the moon, narrada e escrita por Tom Hanks, e da inovadora fita inglesa Bugs! (2003), feita com média metragem.
Concentrada em salas do Pier 21, a programação alternativa da ópera no cinema ; por vezes, agregada a horários do complexo Cinemark do Shopping Iguatemi ; atraiu, com cinco apresentações da nova-iorquina Metropolitan Opera, quase 800 espectadores. No que depender da nova atração, com libreto assinado por Henry Meilhac e Ludovic Halévy, o chamariz da sensualidade latente de Carmen ; que alerta para a inexistência de leis, no campo do amor, e para o perigo atrelado à própria figura dela ; traz o interesse do ineditismo em 3D. Sinal de que a fogosa protagonista da ópera que incomodou a burguesia, pelo rompimento de padrões morais e pelo cenário moderno para uma obra ;respeitável; (em meio à profusão de comédias leves da época) segue firme o percurso da provocação.
Autor ousado
Morto aos 36 anos, o ex-estudante do Conservatório de Paris, que adentrou a entidade na faixa etária de 9 anos e por lá permaneceu ao longo de quase uma década, Georges Bizet foi um compositor de poucos êxitos ; o maior, de longe, Carmen. Ex-aluno do mestre romântico Charles Gounoud (da sacra Ave Maria) e contemporâneo dos notáveis Camille Saint-Sa;ns, Richard Wagner e do gênio italiano da ópera Giuseppe Verdi, Georges Bizet, pelos temas ousados e pelo risco nas criações, é apontado pelos especialistas como modelo influente para figuras como o belga Giacomo Puccini e o austríaco Alban Berg.
CARMEN
Cinemark Pier 21, sessões em 3D, hoje, às 19h, e amanhã, às 17h. Ainda em março, dias 15 (às 20h) e 20 (às 17h). Ingressos para as sessões especiais a R$ 50 e R$ 25 (meia). Classificação indicativa livre.