Incomodados com a polarização do debate sobre a reforma da lei de direito autoral, um grupo formado por músicos, compositores e artistas de todo o país preparou manifesto no qual sugere uma terceira via formada por profissionais que não são nem contra nem a favor da reforma. Assinado por 130 artistas ; entre eles, poetas como Alice Ruiz e músicos como Dado Villa-Lobos, Roberto Frejat, Jair Rodrigues, Ivan Lins, Luciana Mello, Thalma de Freitas, Ná Ozzetti, Tim Rescala e Jorge Vercillo ;, o documento elenca uma série de pontos não contemplados no projeto de lei enviado pelo ex-ministro Juca Ferreira à Casa Civil e também inexistentes na Lei n; 9610, de 1998.
Além dos artistas, assinam o manifesto o Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro e a Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), que reúne 106 gravadoras sediadas em 10 estados. ;A gente tem observado que, de um lado, temos as pessoas que defendem a manutenção da lei de 1998 e do outro a turma do liberou geral;, repara Carlos Mills, da ABMI. Durante a gestão de Juca Ferreira, o Ministério da Cultura realizou uma série de seminários e discussões on-line para propor um novo modelo para a lei. A intenção era incorporar as mudanças trazidas pelas novas tecnologias para o acesso e consumo de conteúdos artísticos.
O anteprojeto de lei formulado pelo MinC ficou disponível para consulta pública durante três meses no site da instituição e recebeu mais de 8 mil sugestões antes de ser enviado ao Palácio do Planalto. ;Foram anos de discussões em seminários, dando voz a autores, juristas e gestores, de forma democrática e transparente. O anteprojeto ficou por quatro meses em consulta pública. A ministra não só deveria ter lido o texto agora, como antes também, já que é da área musical. Sua postura é contraditória e confusa, visto que se declara contra a fiscalização do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), ao mesmo tempo diz não entender profundamente do assunto;, repara Tim Rescala, do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro. ;Ela parece estar seguindo uma determinada linha de pensamento, francamente a favor do Ecad, pois não recebeu até o momento artistas, entidades e juristas que solicitam audiência. Porém, recebeu um advogado do Ecad que, aparentemente, indicou o substituto de Marcos Souza para a direção da DDI (Diretoria de Direitos Intelectuais).;
A primeira medida da ministra Ana de Hollanda ao assumir o MinC foi retirar da Casa Civil o projeto de modificação da lei. Desde então, as manifestações dos artistas estão divididas entre os que apoiam a retirada e os que querem ver as modificações implantadas rapidamente. ;Ao retirar o texto do projeto (da Casa Civil) a ministra gerou uma certa insegurança em todo mundo em função de uma mudança de rumo;, avalia a compositora Cristina Saraiva, uma das organizadoras do movimento Terceira Via. ;E um grupo de artistas começou a ficar incomodado com as coisas que foram colocadas. É como se tivesse apenas dois lados.;
Digital
No manifesto, os artistas revelam concordar com a necessidade de revisão da lei, embora não estejam de acordo com todos os pontos inseridos no anteprojeto de Juca Ferreira. O ponto mais polêmico diz respeito à remuneração de direito autoral no meio digital. ;No anteprojeto há uma lacuna e na lei antiga o meio digital não existia;, diz Cristina. O parágrafo que trata de licenças involuntárias para cessão de obras também perturba os signatários do manifesto, assim como o texto que prevê a dispensa do pagamento de direitos autorais para uso de obras com fins educacionais.
O grupo também vê com desconfiança a possibilidade de o próprio MinC se tornar o órgão fiscalizador do Ecad, responsável por recolher e repassar o pagamento dos direitos. ;Não pode ser atribuição do MinC, tem que ter um órgão para isso. Acho que a ministra se precipitou ao retirar o projeto da Casa Civil, mas também acho que tem precipitações nas críticas à ministra. O que precisamos é retomar o diálogo;, diz Cristina. ;Até o momento não vimos, por parte do MinC, nenhuma sinalização muito clara da decisão que será tomada;, completa Mills.
Durante o carnaval, enquanto acompanhava o desfile das escolas do grupo especial no Rio de Janeiro, Ana de Hollanda avisou que vai apresentar um novo projeto para substituir o texto proposto pela gestão anterior. ;A equipe vai ver a lei em vigor, vai ver esse projeto de lei que ninguém conhece bem e vai ouvir a demanda de todos em relação aos direitos autorais;, disse. A ministra afirmou também que um grupo de artistas não se sentia representado no anteprojeto e que, sem o consenso, não haverá reforma. ;Se ela vai esperar um consenso, esse projeto não vai sair. E é algo que vinha sendo debatido em horas e horas de reunião entre artistas e MinC;, lembra Cristina, que aguarda resposta para uma audiência entre Ana de Hollanda e o grupo que assina o manifesto.