No lançamento de Accelerate, há três anos, uma palavra brilhava em alto contraste no vocabulário do R.E.M.: recomeço. Sem maquiagem ou polidez, prestes a completar 30 anos de idade, a banda americana zerou o contador e abasteceu o tanque com o som de guitarras quase sempre estridentes, poderosas, em alta velocidade. ;Era uma espécie de manifesto;, comentou o baixista Mike Mills à revista inglesa Q. A faixa de abertura parecia até um recado apontado àqueles que questionavam o vigor do trio: viver bem, eles avisavam, é a melhor vingança.
Esse R.E.M. revigorado, remoçado, está de volta em Collapse into now, que chega amanhã às prateleiras dos Estados Unidos. O álbum, liberado na internet com o aval do próprio grupo (em versão streaming, sem a qualidade dos arquivos de MP3), é a 15; estação numa trajetória ainda sinuosa. No anterior, a ordem era trocar a marcha e queimar os pneus. Neste, a paisagem aparece em cores ; e não chega a borrar o retrovisor. ;Desta vez não há regras;, afirmou Mills. ;Ele tem a mesma energia de Accelerate, mas é diversificado como Automatic for the people;, descreveu.
A referência ao disco de 1992 não é gratuita. Na turnê mais recente, que fez escala no Brasil e rendeu o duplo Live at the Olympia (2009), o R.E.M. combinou a virulência da nova fase com a melancolia folk de um período em que produziu álbuns elogiados como Out of time (1991) e o próprio Automatic. Essa conexão entre o início dos anos 1990 e a primeira década dos anos 2000 faz de Collapse into now uma obra de dupla face: metade selvagem, metade afável. ;Há 20 anos não nos animamos tanto com um disco. Nunca lançamos um álbum de 12 faixas em que todas as canções fossem tão boas;, avaliou o guitarrista Peter Buck.
Os três integrantes ultrapassaram a barreira dos 50 anos ; o mais novo, o vocalista Michael Stipe, tem 51. Mas as crises de meia-idade foram adiadas com demonstrações de autoconfiança e maturidade. ;Meu tempo é hoje. Estar vivo me entusiasma;, garante Stipe, acompanhado da cantora e poetisa Patti Smith, na faixa que encerra o disco, Blue. Com apenas 41 minutos de duração, as canções são afiadas pela produção do irlandês Jacknife Lee, que trabalhou em Accelerate e em álbuns como How to dismantle an atomic bomb, do U2.
Em Berlim
Para gravar parte do disco, o trio viajou para Berlim e alugou o Hansa Studios, onde David Bowie gravou Heroes, em 1977, e o U2 alterou a fisionomia em Achtung baby, de 1991. Mas os ares da Alemanha não provocaram impressões tão fortes quanto a escala em Nova Orleans, onde canções marcantes como Walk it back e Oh my heart foram criadas. A imagem de uma cidade em reconstrução após o desastre do furacão Katrina inspirou lamentos que se distanciam da matriz punk de trechos como All the best e That someone is you.
O arremate do álbum foi feito em Nashville. Durante a mixagem, Patti Smith visitou os amigos e, repetindo a parceria da canção E-bow the letter, incluiu vocais em Blue. Já os encontros com Eddie Vedder (em It happened today) e Peaches (em Alligator aviator autopilot antimatter) resultaram das idas e vindas de Stipe a shows em Berlim. ;É um disco mais pessoal do que político. Eventos mais urgentes aparecem quando estamos compondo, mas os temas do disco são mais universais;, explica Mills. O retrato de uma banda sem pressa.