Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Diretor diz que Félix Lope foi o primeiro a se tornar reconhecido no país

Nas nove semanas e meia de filmagens de Lope, pela Espanha e pelo Marrocos, o diretor carioca Andrucha Waddington sabia tanto o que não queria ; ;aquela caracterização pesada atrelada aos filmes de época; ; quanto o desejado: ;centrar o filme num tema extremamente universal e contemporâneo, que é a fundação de um artista jovem, em processo de iniciação amorosa, capaz de optar pela troca do destino seguro por um sonho;. A repercussão do filme na Espanha, país de origem do dramaturgo e poeta retratado, em que foi exibido por 15 semanas (com direito a 340 cópias), trouxe boa perspectiva ;de público e retorno de crítica;. ;Para o mercado de lá, falamos de um ícone que desde o cara mais erudito até qualquer taxista conhecem. Todos sabem das obras e da complexidade da personalidade de Félix Lope de Vega, que foi um soldado do exército, um exímio lutador de espada e um Don Juan;, diz o cineasta.

Ao custo de 12 milhões de euros, numa coprodução entre Brasil e Espanha (com ;conglomerado de parceiros;), o século 16 foi, em parte, recriado para comportar o ;monstro da natureza;, como ficou conhecido o autor que pretendia ;respirar o ar da corte; e teve uma produção muito profícua. ;Lope fez da própria vida a obra, que vinha carregada de tragédia e de comédia. Ele se fez enquanto protagonista. Daí, ele ter se transformado num popstar. Foi o primeiro autor e poeta popstar da história;, avalia Andrucha Waddington. Talhar a rica imagem do protagonista foi dos maiores desafios, na carreira que inclui os longas-metragens Eu tu eles, Gêmeas e Casa de areia. ;Depois do século de ouro na Espanha, veio o declínio do império. Então, muita coisa foi esquecida. Shakespeare, que despontou na Europa, dez anos depois dele, fez algo absolutamente inspirado na obra do Lope. Esse foi o primeiro a quebrar paradigmas do teatro antigo, juntado tragédia e comédia numa mesma obra;, explica o diretor.

Na lida com o encantamento pelo teatro e por duas concorrentes ao amor do protagonista ; a apaixonada Isabel (Leonor Watling) e a manipuladora Elena (Pilar López de Ayala) ;, o cineasta flagrou-se, a tempo, do risco das semelhanças com Shakespeare apaixonado. ;Usei esse filme como exemplo de como não atuar para o Lope. Quis uma pegada mais fiel com a vida da época, menos farsesca e teatral;, diz. Para além das boas surpresas com a participação dos atores Alberto Ammann (argentino que dá vida ao personagem-título, depois de um prêmio Goya, por Cela 211) e dos brasileiros Sônia Braga e Selton Mello (que reencena mito à la Cyrano de Bergérac), Juan Diego ; ;um Paulo Autran dos espanhóis; ; foi dos maiores trunfos para a fita. O ator interpreta Jeronimo Velásquez, empresário à frente de mecenato teatral. ;Juan Diego tem virilidade e sagacidade únicas. Com questionamentos, ele fundamentou o clima de integração e de confiança mútua que precisava com o elenco;, comenta Waddington.

Imagem com cheiro
Sem conhecer a obra de Lope, há cinco anos, em Madri, o diretor recebeu o roteiro de Jordi Gasull e, quando acabou de ler ;em três horas, estava absolutamente emocionado;. Para a adaptação, ;deixar as ruas com um cheiro que deveriam ter nas telas; foi uma das preocupações. ;Madri, pelos relatos históricos tinha um cheiro percebido a 30km. No filme, o diretor de fotografia Ricardo Della Rosa usou traquitanas de fogo para obter uma luz intermitente, próxima à iluminação de velas. Buscamos o contraste entre o breu noturno e o sol rascante da Espanha. Se as cores eram sinônimo de riqueza, como falávamos de uma classe social baixa, a ausência delas era muito pertinente;, explica.

Estruturar a produção com fidelidade em relação à personalidade de Lope foi um dos cuidados. ;É um filme de múltiplos gêneros: tem aventura, romance, amor e humor. Não quis ser piegas ou melodramático, sendo econômico, ao retratar fatos de cinco anos compactados em seis meses de vida do personagem;. A capacidade de um diálogo muito direto com o público foi a característica que mais impressionou o cineasta, em quatro anos de estudos de costumes e fatos da época.

;Um objetivo foi fazer a cultura alheia correr dentro das minhas veias de maneira natural. Digo que 95% que está no filme é real. Nas licenças poéticas, tivemos a superposição de romances, o ato de Lope incendiar o palco ; que é uma metáfora absolutamente coerente com o que ele fez no teatro ;, a chegada dele a Lisboa também é fictícia, bem como a correção que Lope teria feito em obra de Miguel de Cervantes. Aliás, essa é uma licença bem fundamentada, por eles terem uma rivalidade muito grande. Cervantes queria ser popular como o Lope e eles se cutucavam de uma maneira muito firme;, explica o realizador, que a exemplo de John Ford, ;entre a realidade e a lenda; vai ;pela lenda;.

Lope
(Espanha/Brasil, 2010, drama, 113min). De Andrucha Waddington. Com Alberto Ammann, Selton Mello e Leonor Watling. Confira salas e horários no Roteiro. Não recomendado para menores de 14 anos.