Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Pesquisador Renato Vivacqua fala sobre as marchinhas de carnaval

Apaixonado pela música popular, o pesquisador afirma que o ciclo de ouro das marchinhas foi destruído pela "era do jabá"

O carioca Renato Vivacqua, 75 anos, fisioterapeuta aposentado, radicado em Brasília desde a década de 1960, considera-se um indivíduo totalmente canhestro para a música. Não canta bem, não sabe assobiar, não tem suingue nem samba no pé. No entanto, Vivacqua é louco por música e a maneira que encontrou para cultivar a sua paixão pela musa popular foi tornar-se historiador. Ao terminar a leitura do último livro de Vivacqua, o delicioso Crônica carnavalesca da história, que narra uma história não oficial do Brasil, o pesquisador Ricardo Cravo Albin proferiu uma expressão que só pode ser publicada nos jornais sob a forma de cobras, lagartos e asteriscos e comentou: "Este é o livro que eu deveria ter escrito".

E Sérgio Cabral, outro colega da área de pesquisa, escreve na apresentação do livro: "Sou velho admirador da obra de Renato Vivacqua, cujas pesquisas ajudam a entender melhor a nossa música. (;) O novo trabalho de Renato Vivacqua merece, sem dúvida, os maiores elogios. Mas merece, sobretudo, a nossa gratidão". Vivacqua situa a época de ouro das marchinhas de carnaval o período que vai do fim do século 19 até o fatídico ano de 1970, com Bandeira branca, de Max Nunes e Laércio Alves. Ele atribui a derrocada do gênero tão rico, espirituoso e inventivo a um personagem muito conhecido até nos dias de hoje: o famoso "jabá". Com isso, os compositores mais talentosos se sentiram insultados e se afastaram da cena dominada por picaretas: "Isso funcionou como uma seleção às avessas, que liquidou com a qualidade", comenta. "Antes, as músicas se perenizavam. Depois, as pessoas passaram a não se lembrar mais das canções após algumas semanas. Os cantores da noite sabem a música que será eterna."

Vivacqua considera o carnaval e o futebol duas festas populares que provocam uma comoção quase inexplicável. São situações em que o pobre e o rico se colocam em um mesmo nível, menos no carnaval da Bahia, onde só brinca quem tem dinheiro para comprar um abadá. "Na Bahia, só as pessoas que têm dinheiro ficam feito abestadas atrás do trio elétrico", diz. "É o fim do sentido democrático do carnaval como festa popular. Ainda bem que o carnaval está sendo revitalizado no Rio de Janeiro, com os blocos cantando sambas e marchinhas eternas pelas ruas. O grande compositor pernambucano Capiba quase morreu de infarto quando viu a avenida principal do Recife ser tomada por um trio elétrico de axé music, contratado em Salvador."

Com o livro Crônica carnavalesca da história, Vivacqua pretende ter desmistificado o preconceito de que os compositores de marchinhas eram ignorantes, que pegavam tudo de orelhada. Ao pesquisar, ele mesmo ficou surpreso ao constatar que liam os almanaques do Correio da Manhã, eram atualizados e destilavam a verve sobre fatos da política ( "Ai Filomena, se eu fosse como tu/Tirava a urucubaca da cabeça do Dudu", J. Bulhões comentando a fama de azarento do Marechal Hermes da Fonseca), a ciência ("Todos estão errados/A lua é dos namorados", de Klecius Caldas), a musa francesa Brigitte Bardot ("Que bom que eu vou ser papai/E papai vai ser vovô/Se for homem vai ter o meu nome/Se for mulher, vai ser Brigitte Bardot", de Haroldo Lobo e Milton Oliveira). Questionado se não é saudosista, Vivacqua replica: "Sou, no bom sentido, de chamar a atenção para a qualidade. Antes, até o fato de os discos serem gravados em matrizes de platina, muito caras, funcionava como um filtro de qualidade. Nós temos excelentes músicos em Brasília, mas sem espaço no mercado."