Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Nos computadores de James Blake, eletrônica e soul music criam o cenário

Resultado é um dos discos mais elogiados (e misteriosos) deste início de ano

[FOTO1]Mais cedo ou mais tarde, todo DJ aprende a conviver com o silêncio. E com a solidão. Pelo menos é assim que James Blake, 23 anos, prodígio do dubstep, descreve o ofício. ;Já viajei 18 horas para tocar um set de 60 minutos;, revelou ao jornal The Guardian. ;Quando você está num trem para Edimburgo, sem ninguém ao lado, acaba pensando: ;Cristo, esta paisagem não tem fim;. E aí os versos começam a aparecer;, explicou.

O cenário desolado e amplo, correndo em velocidade acelerada na janela do vagão, é uma imagem que resume o estilo deste britânico do norte de Londres, com feições juvenis que lembram um Matt Damon em início de carreira. A música eletrônica é o ponto de partida, mas a máquina conduzida por Blake segue um itinerário indefinido, cruzando paragens de soul music, rock independente e jazz. Uma identidade ainda em movimento ; talvez para sempre.

;Quem quiser que chame a minha música de dubstep. Mas, se alguém quiser chamá-la de outra coisa, não terei problemas com isso;, despistou, em entrevista ao site Pitchfork. O subgênero, que é identificado muito por uma base rítmica minimalista, lacunar (com sombras de hip-hop), foi a palheta que o músico encontrou para desenvolver uma sonoridade introspectiva, melancólica, que faz referência a ídolos como Thom Yorke (vocalista do Radiohead), Bon Iver e Antony and the Johnsons.

Acima de tudo, o que interessa a ele é o contraste entre sons que, em tese, não se moveriam num mesmo trilho: rhythm & blues e ambient, soul e música atonal. Esse cruzamento entre o pop e a vanguarda, que rendeu compactos elogiados em 2010, compõe a malha sonora do disco de estreia do cantor, lançado no início de fevereiro. Numa primeira audição, a arquitetura de James Blake pode soar frágil. Mas é com camadas de espaços vazios e produção caseira que o compositor cria um dos álbuns mais misteriosos produzidos pela música inglesa nos últimos anos.

Nos versos de Blake, porém, não existe nada de enigmático. Letras curtas repetem duas ou três frases (e ideias) à exaustão. A intensidade desses mantras deixa o ouvinte sem fôlego. ;Meu irmão e minha irmã não falam comigo, mas eu não os culpo;, ele repete, em I never learnt to share, enquanto uma massa de efeitos digitais vai envolvendo a melodia. ;Sei apenas que estou caindo, caindo, caindo;, lamenta, em The Wilhelm scream. Limit to your love congela uma canção da canadense Feist. Inverno da alma.

Franqueza pop
A franqueza desse narrador desesperado rendeu comparações com discos como Sea change, do Beck, e Nebraska, de Bruce Springsteen. Mas Blake prefere outras companhias. É amigo, por exemplo, dos integrantes da banda The xx. ;O sucesso do disco deles permite que o público entenda melhor o que estou fazendo;, avaliou. De fato, há conexões entre o pop econômico do xx e os esqueletos de melodia criados pelo cantor. A estrada de Blake, entretanto, parece ainda mais enevoada, triste, perdida.

Para um adolescente que cresceu ouvindo Stevie Wonder e estudou música contemporânea na universidade, o cantor poderia ter seguido um rumo mais convencional dentro do pop. Seria mais simples. Só que, apesar das notas excelentes, ele desistiu do jazz quando notou o desejo de fazer um som novo, pessoal. Há quem caia de tédio diante de um estilo tão dramático, quase solene. É o caso de Geoff Barrow, do Portishead, que desancou Blake no Twitter. Será difícil, porém, tirar esse DJ solitário de um percurso tão particular. Viagem longa, parece.

Se gostou, ouça

Conheça outros talentos do dubstep inglês

JAMIE XX
Integrante da banda The xx, Jamie não faz exatamente dubstep, mas explicitou as referências de música eletrônica no ótimo disco de remixes We;re new here, inspirado em Gil Scott-Heron. Ouça: .

BENGA
Um dos pioneiros do gênero, o produtor Adegbenga Adejumo é um dos nomes mais conhecidos da cena do sul de Londres. Nas faixas, mescla sons digitais com bateria acústica. Ouça: .

DIGITAL MYSTIKZ
Duo formado pelos DJs Mala e Coki, que se conheceram no subúrbio londrino de Norwood. O DJ John Peel, da BBC, é um dos fãs da dupla. Ouça: .

SKREAM
Oliver Jones começou a atuar como DJ em 2003 e lançou o primeiro disco, Skream, em 2006. É considerado um dos principais nomes do gênero. Ouça: .

JAMES BLAKE
Ouça o cantor britânico em www.myspace.com/jamesblakeproduction. O disco de estreia, James Blake, foi lançado pela A Records. Importado. ****