Aos 22 anos, o francês Luc Moullet fez um artigo (;até bem sério;) sobre o primeiro longa de Jean-Luc Godard, Acossado (1960). Convidado pelo mestre para um coquetel de imprensa, Moullet ouviu Godard incentivar o produtor do filme a investir no curta de estreia do então apenas crítico. ;Foi meu começo como realizador;, resume o diretor, empenhado em difundir a obra de 41 títulos que, praticamente inédita no Brasil, foi reunida numa mostra gratuita, em cartaz até domingo no Centro Cultural Banco do Brasil.
Seis anos após o encontro, Moullet já se dava ao luxo de incluir os colegas Claude Chabrol e Éric Rohmer em ;pontinhas; no primeiro longa, Brigitte e Brigitte. Ainda dessa época, em que escrevia para a mítica Cahiers du Cin;ma e participava da nouvelle vague francesa, o cineasta lembra o apelido recebido por François Truffaut: ;o pequeno Moullet;. ;Aos 18 anos, eu era quase um crítico de calças curtas;, diverte-se.
Quase 55 anos depois, ;com o ganho da idade;, a carreira consolidada trouxe a facilidade de ser aceito como diretor. ;Na verdade, ainda sou mais admitido como historiador do cinema. Conheço bem a história do cinema e, em geral, as pessoas me acham competente. A idade me permitiu assistir a muito mais filmes do que a maioria dos críticos. Isso me traz uma certa autoridade em relação aos mais jovens;, observa Moullet, que, ;ao fazer filmes;, é realizador ;e não crítico;.
Professor universitário requisitado na França e na Suíça e tendo adaptado até Henry James (O fantasma de Longstaff), o diretor tem na literatura, ;particularmente a criada por picarescos autores ingleses e espanhóis;, uma fonte de inspiração. ;Já me disseram que sou meio uma reencarnação de Alfred Jarry (dramaturgo surrealista). Os escritores escrevem ao longo da vida, e com os realizadores, não é diferente: Manoel de Oliveira está ativo, aos 102 anos, e Alain Resnais também, aos 84;, diz.
O fator experiência tem aberto portas para financiamentos, limitados ao Estado e às organizações públicas na França. ;Faço cinema há mais de 50 anos, e isso me facilita o acesso aos orçamentos, apesar de, às vezes, sofrer algumas rejeições;, observa. A rigor, tratando de temas graves, Moullet pende para o cômico ; ;como Chaplin fazia;. ;Nessa linha, fiz um filme sobre desemprego (A comédia do trabalho) e outro, engraçado, sobre a demência nas montanhas dos Alpes do Sul (A terra da loucura);, comenta.
Pequenos desserviços e maus exemplos pipocaram no humor do curta Catracas, que mostra as manobras de franceses driblando pagamento de bilhetes de metrô. ;Pediram inclusive uma publicidade gratuita, e educativa, quando o filme foi exibido na tevê. Na verdade, mais pessoas passaram a utilizar o transporte, que extrapolou a função: as pessoas notaram a possibilidade de pular a catraca;, conta, entre risos.
Em sintonia
Animado com o cinema de estrangeiros como Michael Herz, Isabelle Prim e Michelle LeClair, Moullet encontra o fio da meada também quando o tema é cinema brasileiro. ;Do Glauber Rocha, gosto de A idade da Terra e de Claro. Os últimos filmes dele trazem uma espécie de magma cinematográfico ; ele carrega uma síntese da arte cinematográfica, ao mesmo tempo em que aponta para muitas inovações;, avalia Moullet.
O gaúcho Jorge Furtado igualmente desperta entusiasmo: ;Ele se apropria muito bem da montagem e de sobreposições de imagens que são muito adequadas para o cinema digital. É como seguisse o legado de realizadores como Godard. O (curta) Ilha das Flores é visto há 20 anos na França e os longas dele trazem coisas interessantes também;, opina o autor de recentes ensaios sobre A matadeira e Angelo anda sumido, ambos curtas de Furtado.
Atento aos passos do cinema contemporâneo, Moullet não se encabula de ter gostado de Alice no país das maravilhas, de Tim Burton, em 3D. ;Não podemos esquecer que a técnica já existia em 1952. Filmes em 3D funcionam bem para os títulos relacionados à arquitetura e ao erotismo;, brinca. A arquitetura de Brasília, por sinal, suscitou a inserção de um plano da capital, em Imphy, capital da França (1994). ;A ideia do curta era a de instaurar uma nova capital que não fosse a principal, como Paris, e Brasília foi um modelo para isso. Infelizmente, ninguém me seguiu nesse intuito;, diz, resignado. Sem grandes expectativas, por fim, é a experiência que fala mais alto: ;Não será um filme ou o cinema sozinho que mudará a França ou o resto do mundo;.
Luc Moullet, cinema de contrabando
Até domingo, no Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tr. 2, Lt. 22; 3310-7087). Confira ilmes e horários no Divirta-se. Entrada franca. Não recomendado para menores de 14 anos.