É quase inevitável que, ao olharmos para o passado do rádio brasileiro, enxerguemos em primeiro plano os cantores que marcaram época. Nomes como Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida e outras estrelas da chamada era de ouro. Mas estúdios e programas de auditório foram terreno fértil para que outro instrumento se desenvolvesse e ganhasse popularidade: o violão. As cordas foram tão essenciais quanto as grandes vozes na história do rádio e, consequentemente, da canção brasileira. Tal constatação serviu como ponto de partida para o projeto Acordes do rádio ; 90 anos do violão brasileiro, apresentado no Rio de Janeiro no segundo semestre do ano passado e que estreia hoje em Brasília.
O jornalista Alessandro Soares idealizou e assina a direção artística e musical do projeto, que ocupará o teatro do CCBB com duas sessões (13h e 21h) em quatro terças-feiras do mês de março. A cantora paulista Vânia Bastos e o violonista mineiro Eustáquio Grilo inauguram a série. Depois virão Ná Ozzetti e Henrique Annes (dia 15), Marco Pereira, Paulo Bellinati e Weber Lopes (22) e Mônica Salmaso e Guinga (29). ;Meu desejo é contar a história desse instrumento a partir de várias óticas. Neste projeto, a ideia é fazer um painel do violão tendo o rádio como fio condutor;, explica Alessandro.
Ao optar por shows não somente instrumentais (a exceção é o do dia 22), ele considerou o fato de a música cantada ter sido responsável por dar visibilidade a importantes violonistas. ;Mesmo quem não conhece João Pernambuco, canta Estrada do sertão, composição dele que Hermínio Bello de Carvalho letrou nos anos 1980;, exemplifica, referindo-se à música que já integrou o repertório de Alaíde Costa, Elba Ramalho e Chitãozinho & Xororó, entre outros. Mônica Salmaso nunca gravou Estrada do sertão, mas a ensaiou para apresentar no show que encerra o projeto.
Resquícios
A proposta é que os participantes tragam uma ou mais músicas preparadas especialmente para a ocasião. ;Escolhi Lenda (Arrigo Barnabé), que não cantava desde os shows com Arrigo, na década de 1980. E nunca a fiz no formato voz e violão. Será a primeira vez, com o violonista Ronaldo Rayol;, adianta a cantora. Alessandro lembra que, além da valsa Lenda, o bolero Paulista (Eduardo Gudin e Costa Netto) é outra do repertório de Vânia que traz resquícios da era do rádio. ;São músicas contemporâneas com uma linha antiga;, ressalta. Canções de Adoniran Barbosa, Geraldo Pereira e Tom Jobim também estarão no show, com quatro músicas de nabocadolobo, disco mais recente da cantora, dedicado à obra de Edu Lobo.
No palco, Vânia e Eustáquio Grilo apresentam -se separadamente. O violonista mineiro, que desde 1987 dá aulas de violão na Universidade de Brasília (UnB), apresentará repertório eclético, indo de criações próprias ; ele é dono de extensa produção ; a composições de João Pernambuco e Agustín Barrios (1885-1944). Do paraguaio, Grilo selecionou ;um maxixe que é bem parecido com o maxixe brasileiro;, descreve Alessandro Soares, lembrando ainda que ;Barrios acabou com o preconceito contra o violão quando se apresentou no Brasil;. A presença do músico mineiro-brasiliense no projeto atende a ao objetivo de Alessandro de ;mesclar violonistas renomados com figuras que têm uma grande produção mas repercutem mais regionalmente, como Grilo e o pernambucano Henrique Annes;, diz.
Homenagens
O violonista João Pernambuco (1883-1947) é um dos seis homenageados pelo projeto Acordes do rádio ; 90 anos do violão brasileiro. Nascido no estado que lhe deu o nome artístico, mudou-se para o Rio em 1902. Conviveu com Donga e Pixinguinha (com quem integrou o Oito Batutas) e compôs outro clássico da canção sertaneja, Luar do sertão, erroneamente creditada apenas a Catulo da Paixão Cearense. Os demais homenageados são nordestinos como ele: Canhoto da Paraíba, Meira, Zé do Carmo, Dona Ceça e João Dias. ;Durante pesquisa que fiz sobre o violão nordestino, descobri músicos interessantes. Muitos morreram esquecidos. Por isso, apesar de o projeto ser bem Brasil, quis fazer uma homenagem especial a violonistas da região;, explica Alessandro Soares.
VÂNIA E O RÁDIO
; ;Sempre gostei de vozes, mas quando comecei a ouvir rádio, nos anos 1960, o auge já era a Jovem Guarda e logo depois vieram as músicas dos festivais, com Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso... E isso tudo se ouvia normalmente nas rádios do Brasil. Tudo acontecia com certa naturalidade, no sentido de tocar no rádio coisas que estavam sendo feitas com talento. Então, tive a sorte de escutar muito todos esses artistas, além de Gal Costa, Taiguara, Tim Maia... Mas as grandes cantoras da era do rádio, indiretamente, também me influenciaram. Carmem Miranda, com sua brejeirice e sofisticação; Zezé Gonzaga, com sua precisão, afinação e suavidade... Enfim, muito talento musical é o que o Brasil sempre teve para esbanjar e o rádio foi peça fundamental para difundir isso tudo.;
Acordes do rádio ; 90 anos do violão brasileiro
Série de quatro shows, no CCBB (Setor de Clubes Sul). Estreia hoje, com show de Vânia Bastos e Eustáquio Grilo. Às 13h (entrada franca) e às 21h (ingressos a R$ 15 e R$ 7,50). Não recomendado para menores de 10 anos.