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Diversão e Arte

Em noite de escolhas previsíveis, o Oscar coroa drama O discurso do rei

O script parecia previsível, mas a Academia de Hollywood se esforçou para adicionar um ingrediente extra à maior festa da indústria do cinema: suspense. Quando a 83; cerimônia do Oscar já passava da metade, pistas falsas embaralhavam as previsões dos apostadores. O discurso do rei, o favorito, perdeu as estatuetas de figurino e direção de arte para Alice no país das maravilhas. Já A rede social, o concorrente com mais chances de roubar a cena, levou os prêmios de montagem e trilha sonora. No clímax do show, no entanto, todas as expectativas se confirmaram: o perfil do nobre George VI, que superou a gagueira para se comunicar com o povo do Reino Unido, venceu quatro das principais estatuetas ; melhor filme, direção (Tom Hooper), ator (Colin Firth) e roteiro original (David Seidler).

A coroação do drama de época ofuscou o prestígio de A rede social ; o preferido da crítica ; e confirmou a temporada conservadora de uma premiação que, nos últimos anos, surpreendeu ao eleger longas provocativos sobre temas contemporâneos (como Guerra ao terror, Onde os fracos não têm vez e Os infiltrados). A preferência por uma escolha segura rompe um ciclo que, na imprensa norte-americana, rendeu comparações à safra da década de 1970, quando títulos como O poderoso chefão e O francoatirador mereceram reconhecimento. O Oscar de O discurso do rei, por outro lado, deixa uma impressão menos otimista: remete aos anos 1980 de Carruagens de fogo e Rain man. Menos atrevimento, mais conforto e sentimentalismo.

O candidato mais afinado a essa fase ;progressista; do Oscar, A rede social, saiu do Teatro Kodak com os troféus de roteiro adaptado (Aaron Sorkin), trilha sonora (Trent Reznor, da banda de rock Nine Inch Nails, e Atticus Ross) e montagem (Angus Wall e Kirk Baxter). A derrota mais inesperada da noite, por sinal, foi a do diretor David Fincher, que já havia deixado a estatueta escapar dois anos atrás, com O curioso caso de Benjamin Button. Na categoria, a Academia preferiu ignorar uma geração de cineastas americanos formados na escola dos pequenos estúdios dos anos 1990 (Darren Aronofsky, os irmãos Coen e David O. Russell) para revelar o inglês Tom Hooper ; que, até O discurso do rei, só havia assinado dois longas, Sombras do passado (2004) e Maldito Futebol Clube (2009).

Por uma dessas ironias hollywoodianas, a arrancada de O discurso do rei teve como combustível o lobby feroz dos produtores Harvey e Bob Weinstein ; que, ainda no comando da Miramax, se tornaram os principais responsáveis pelo período ;dourado; do cinema independente norte-americano. Os irmãos recuperaram-se de uma entressafra iniciada após o Oscar de Chicago (2003) e, hoje no estúdio The Weinstein Company, repetiram a estratégia de marketing de 1999, quando a comédia romântica Shakespeare apaixonado desbancou O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg. ;Agradeço a Harvey, que apostou em mim há 20 anos, quando eu era uma sensação mirim;, retribuiu Colin Firth. Foi o próprio diretor de E.T. quem anunciou o maior prêmio da noite, com um texto de apresentação que, mesmo sem esta intenção, acabou soando como uma alfinetada ao vencedor: o cineasta lembrou que Cidadão Kane e Touro indomável estão na lista dos perdedores do Oscar.

Valorização
O segundo filme mais premiado da noite de domingo, A origem, dividiu com Alice no país das maravilhas o domínio nas categorias técnicas. Além do troféu de fotografia, o thriller com Leonardo Di Caprio foi lembrado pelos efeitos especiais e pelo som (edição e mixagem). A fantasia infantojuvenil com a grife de Tim Burton ficou com os prêmios de direção de arte e figurino, ;roubados; de O discurso do rei. As duas ;ousadias; dos 6 mil votantes foram pouco notadas: a valorização da fotografia metálica de A origem e da trilha melancólica de A rede social, que nega o tom épico prezado pela Academia.

Sem abrir muitas possibilidades para surpresas, a Academia deu de ombros para Bravura indômita, dos irmãos Coen (com 10 indicações), menosprezou os independentes (Inverno da alma e Minhas mães e meu pai saíram sem troféus), e validou as escolhas dos sindicatos de Hollywood, que, além das categorias de filme e direção, acenaram para as vitórias de Colin Firth, Natalie Portman (melhor atriz por Cisne negro) e dos coadjuvantes de O vencedor, Melissa Leo e Christian Bale. Um espetáculo que chegou a prometer reviravoltas, mas logo se rendeu às cartas marcadas.

BRASIL PERDE. DE NOVO
Com um longo histórico de derrotas no Oscar, o Brasil mais uma vez teve que se contentar com uma vaga no clube dos indicados. O documentário Lixo extraordinário (em inglês, Waste land), coprodução com o Reino Unido, perdeu a estatueta para o americano Trabalho interno, de Charles Ferguson, que analisa as causas e os efeitos da crise econômica de 2007-2010. Com cenas rodadas no Jardim Gramacho, aterro sanitário do Rio de Janeiro, Lixo extraordinário foi conduzido a seis mãos: a inglesa Lucy Walker ganha o crédito de diretora, enquanto os brasileiros João Jardim e Karen Harley aparecem na ficha técnica como codiretores. O longa, em cartaz na cidade, registra projeto do artista plástico Vik Muniz com catadores de materiais recicláveis.


Vencedores

Filme
O discurso do rei

Diretor
Tom Hooper ; O discurso do rei

Ator
Colin Firth ; O discurso do rei

Atriz
Natalie Portman ; Cisne negro

Ator coadjuvante
Christian Bale ; O vencedor

Atriz coadjuvante
Melissa Leo ; O vencedor

Roteiro original
David Seidler ; O discurso do rei

Roteiro adaptado
Aaron Sorkin ; A rede social

Fotografia
Wally Pfister ; A origem

Montagem
Angus Wall e Kirk Baxter ; A rede social

Documentário
Trabalho interno ; Charles Ferguson

Filme estrangeiro
Em um mundo melhor ; Susanne Bier (Dinamarca)

Animação
Toy story 3 ; Lee Unkrich

Trilha sonora
Trent Reznor e Atticus Ross ; A rede social

Canção
We belong together ; Randy Newman ; Toy story 3

Efeitos visuais
Paul Franklin, Chris Corbould, Andrew Lockley e Peter Bebb ; A origem

Direção de arte
Robert Stromberg e Karen O;Hara ; Alice no país das maravilhas

Figurino
Colleen Atwood ; Alice no país das maravilhas

Maquiagem
Rick Baker e Dave Elsey ; O lobisomem

Edição de som
Richard King ; A origem

Mixagem de som
Lora Hirschberg, Gary A. Rizzo e Ed Novick ; A origem

Curta-metragem
God of love ; Luke Matheny

Curta-metragem ; documentário
Strangers no more ; Karen Goodman e Kirk Simon

Curta-metragem ; animação
The lost thing ; Shaun Tan e Andrew Ruhemann