Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Companheiros de trabalho falam sobre o escritor gaúcho Moacyr Scliar

Jornalistas do Zero hora, companheiros de trabalho de Moacyr Scliar,falam sobre o escritor gaúchos em seus blogs:

Blog da Rosane de Oliveira

Fui acordada no meio da madrugada pelo plantão de zero hora.com a notícia da morte do escritor Moacyr Scliar. Mesmo sabendo há vários dias que a situação dele era crítica, custei a assimilar a notícia, talvez porque seja muito forte na minha cabeça a idéia de que Scliar era imortal. Era, não. É ainda, pela obra que deixa.

Conheci Scliar pessoalmente na redação de Zero Hora, muitos anos depois do primeiro contato com sua obra. No início, não tinha coragem de me aproximar ; como não tinha de chegar perto do Luis Fernando Verissimo, do Décio Freitas e de outros deuses do texto. Foi o Scliar que na sua simplicidade puxou conversa, falou de assuntos da política com conhecimento de causa e passou a idéia de que era apenas um de nós.

Quando chegou à Academia Brasileira de Letras já era tão próximo de todos nós na redação de Zero Hora que foi uma festa vê-lo envergar o fardão.

De todas as lembranças que Scliar nos deixa, a mais forte é a da sua capacidade incomparável de trabalho. Se o editor de qualquer área precisasse de um texto de qualidade para apoiar uma matéria sobre os mais diversos assuntos recorria a ele, a sua lucidez de analista e a seu conhecimento enciclopédico. Não tenho notícia de que alguma vez tenha dito não. As duas perguntas que fazia eram sempre as mesmas: em quanto tempo precisava entregar a tarefa e qual era o tamanho do texto.

Não é de se estranhar, pois, que nesses anos todos de ZH ele tenha sido presença regular no Segundo Caderno, na Opinião e no Vida e colaborador bissexto na Política, na Geral e no Mundo, além de dar palpites sobre basquete, o esporte que praticava, e o Cruzeiro, seu time do coração.

Nós aqui vamos sentir saudade do Scliar. Ainda não nos acostumamos com a ausência dele neste início de 2011. Como é período de férias, uns chegam, outros saem e a gente tem a impressão de que em março nos reencontraremos todos. Antes que março chegasse, o cavalheiro Scliar nos deixou no início desta madrugada. A redação de ZH está mais pobre.

Um abraço ao Beto e à Judit, seus afetos mais caros. Se para nós, colegas, a sensação de vazio é imensa desde que soubemos do AVC, posso imaginar o que significa para a família.

Blog do David Coimbra

Sempre que entrava na Redação de Zero Hora, o Moacyr Scliar parava em frente à minha mesa, fazia um comentário sobre algo que eu havia escrito no jornal e arrematava:

;Tu tens que escrever um romance.;

Sempre isso. Sempre. E a minha resposta era sempre a mesma:

;Estou escrevendo!”

A primeira vez que ouvi esse conselho faz mais de dez anos. Como a resposta vinha no gerúndio, eu estava ;escrevendo;, percebi que o Scliar deixou de acreditar em mim. Não era possível que estivesse escrevendo, escrevendo e escrevendo sem terminar nunca. Claro, ele era um escritor prolífero, estava acostumado a parir livros tão bons quanto rápidos.

Mas era verdade! Eu estava escrevendo. Levei quase quatro anos para concluir meu primeiro romance, ;Canibais;. Quando cheguei perto do fim, fiquei esperando a entrada do Scliar na Redação, sua paradinha em frente ao meu computador, a conversa amena e o conselho eterno:

;Tu tens que escrever um romance.;

Aí eu arremataria:

;Está escrito!”

Por algum motivo, justamente naquele período o Scliar demorou a visitar a Redação um tempo além do normal. Maldição! E eu com o romance praticamente pronto; Passaram-se semanas, até que, finalmente, a silhueta longilínea dele surgiu lá na ponta do salão. Veio gingando devagar, naquele seu jeito de caminhar, e veio com um meio sorriso no rosto amistoso. Parou na minha frente. Pôs as duas mãos sobre o computador. E, para minha surpresa, mudou a pergunta:

;Está pronto o nosso romance?;

Aquilo me desconcertou. Ele parecia saber que estava pronto. Será que não tinha deixado de acreditar em mim, afinal? Pisquei. Pensei. Respondi, um pouco perplexo:

;Está;;

;Quero ler antes de ser publicado;, ele anunciou.

Foi a segunda surpresa da noite. Era uma atitude muito generosa da parte dele. Escritores consagrados estão sempre sendo assediados por jovens que lhe pedem para analisar o que escreveram. Em geral, isso representa um fardo, uma chatice. E o Scliar não apenas analisava e comentava o que eu publicava em jornal como agora pedia para ler um romance que eu ainda nem havia publicado!

Repassei-lhe os originais. E o Scliar os devolveu com um belo texto de apresentação. Está lá, imortalizado em papel. São palavras que rebrilham no começo do meu romance. Mas não rebrilham pelos elogios que um prefaciador inevitavelmente faz ao que prefacia, e sim pela bondade com que foram escritas. Hoje, reli aquele pequeno texto e ali identifiquei, em cada verbo, em cada substantivo, o homem que era Scliar: mais do que tudo, uma pessoa boa. Como fazem falta pessoas boas nesse mundo.