Torcedor fanático do Juventus, o italiano Giorgio Faletti é formado em direito e foi compositor e comediante de televisão até começar a escrever em 2002, com a estreia retumbante de Eu mato. Só na Itália, foram vendidos 4 milhões de exemplares da história de um serial killer que esfolava o rosto das vítimas, no rico e bem-comportado Principado de Mônaco. Traduzido em 25 idiomas, chegou ao Brasil no ano passado pela Editora Intrínseca.
E é por meio dela que os leitores brasileiros podem se deliciar com a quinta obra de Faletti, Eu sou Deus, em que a temática dos atentados mortais cruza o oceano e ameaça Nova York. Percorrer as quase 370 páginas é como andar de montanha russa: existem mistério, loucura homicida, suspense, desdobramento de personalidade e muitas surpresas. E ainda curiosidades absolutamente reais, como o gato de três patas Walzer, da veterinária Claudia Peterson, citada pelo escritor nos agradecimentos finais.
Lá, também jorra o humor do autor de 60 anos, quando ele adverte: ;Quem leu este romance entendeu que não há nada de autobiográfico no título. Deixo intacta, para quem não leu e pensa que há, essa ilusão que só me honra;.
Pois bem. Com vendagem de 2 milhões de livros na Itália, onde foi lançado em 2009, Eu sou Deus toca na ferida do Vietnã, na América de 1971, quando jovens foram convocados ou se alistaram voluntariamente para a guerra travada do outro lado do mundo contra os vietcongues. Wendell Bruce Johnson e Matt Corey foram os únicos sobreviventes de um pelotão norte-americano. Amarrados pelo inimigo a seringueiras, foram deixados à espera do próximo ataque aéreo dos ianques, incrementado à base de napalm. Um morreu carbonizado e o outro colecionou queimaduras por todo o corpo, que lhe apagaram até mesmo as impressões digitais.
De volta a Nova York, o soldado sobrevivente, aos 24 anos, escondia-se por trás de um capuz, usava luvas de algodão e vivia em uma minúscula casa sem espelhos. Uma ex-namorada e o filho nunca visto pareciam ter se perdido no passado, em Ohio. Ganhava apenas o suficiente na construção civil, onde adquiriu o apelido de Fantasma da Obra.
Décadas depois e ainda com as mesmas marcas no rosto e no corpo, a gente se pergunta: ;Mas e as cirurgias de reconstrução de face, de enxerto de pele?;. O nome do cirurgião brasileiro Ivo Pitangui vem logo à mente. Só que trata-se de uma ficção e o melhor mesmo é voltar à história. Um cadáver é encontrado emparedado em um canteiro de obras, um edifício residencial é explodido no Lower East Site e mata quase 100 pessoas, um pavilhão é alvo de outra bomba e faz 20 vítimas. O pânico, aditivado pelo 11 de Setembro, toma conta dos moradores. Todos querem saber quem é o autor e o porquê. ;Escolheu matar os seres humanos, iludindo-se que com isso matava as suas lembranças;, tece o escritor.
Policial solitária
Entra em cena o 13; distrito de polícia, em Manhattan, onde a detetive Viven Light é uma das oficiais. ;Era morena, tinha os cabelos curtos, raramente sorria, nunca cruzava os braços e de vez em quando sentia necessidade de um contato físico com as pessoas. Em seus olhos claros, pairava um traço perene de severidade. E, no porta-luvas de seu carro, havia uma Glock 23, calibre 40.
Os outros personagens são o padre Michael McKeen, da paróquia de St. Benedict, no Bronx, onde mantém casa para jovens drogados; Russell Wade, filho de família rica e traumatizado pela morte do irmão fotógrafo; John Kortighan, assistente do padre; e outros coadjuvantes. Até alinhavá-los todos, o leitor fica imerso em narrativas paralelas, muito bem descritas, por sinal. Algumas caem em clichê, como a da policial solitária, cuja única irmã tem mal de Alzheimer e a sobrinha, Sundance, uma das jovens em recuperação.
Outras composições beiram o inverossímil. É o caso de Zbigniew Malone, codinome Ziggy Stardust: batedor de carteira no metrô, pequeno traficante, pequeno cafetão, morto esfaqueado no subsolo de um cortiço no Brooklyn onde morava e que era ; alguém acredita? ; lotado de livros. Com esse perfil, o cara ainda vai ter uma biblioteca? Mas a descrição surge certeira: ;Era o exemplo perfeito de um sujeito nem isso nem aquilo: nem alto nem baixo, nem gordo nem magro, nem bonito nem feio. Um esplêndido homem de nada, daqueles que ninguém nota, de quem ninguém se recorda, que ninguém ama;.
Com tanta informação, a vontade é de ler o mais rápido possível para chegar logo às 100 páginas finais, onde tudo ocorre em ritmo mais acelerado ainda. Faletti mostra, novamente, o grande poder de imaginação, transferido a um texto sem reparos e, muitas vezes, com lirismo envolvente, como o que inunda as últimas frases: ;É uma brisa fresca e leve, daquelas que enxugam as lágrimas dos homens e impedem que os anjos chorem. E eu finalmente posso dormir;.